
Mesmo ônibus. Sinal, rua, número de passos. O porteiro, que parece estar de mau-humor mesmo nos dias em que se sente alegre. Para auxiliar seu trabalho, a catraca que emperra e insiste em recusar os cartões de acesso, mesmo no turno correto. Os painéis, nos quais são expostos avisos sobre as aulas do dia, resultados dos simulados, indicações das salas em que ocorrerão aulas extras. O tio do sorvete, atrapalhado, que já derramou uma apetitosa bola de morango no próprio pulso e que já me vendeu sorvetes no limiar do derretimento, responsáveis por tantas trágicas manchas nas roupas. O tio do caixa da cantina, leitor assíduo de Stephen King, que morria de rir sempre que eu pedia uma “goiabinha de chocolate”. A tia da cantina, com seu batom vermelho borrado, e o tio da cantina, que sempre atendeu aos meus pedidos de caprichar no leite condensado da minha salada de frutas.
Hoje, minha despedida declarada. Andei pelos corredores, sentei nos bancos, entrei nas salas que mais foram freqüentadas por mim. Só não tive coragem de voltar à biblioteca, por lembrar de quando estive lá, folheei alguns livros que me foram emprestados e achei, dentro de um deles, um comprovante de devolução assinado por mim. Deixei o papel lá, de lembrança, levando aquele momento como o de despedida ideal. De todo aquele lugar, que até então foi minha segunda casa, e de todos os rostos e vozes que se fizeram presentes durante tanto tempo, eu me despedi com um apego de quem olha para trás a cada passo dado em direção à saída. É estranho ver o carrinho de pipocas sem o tio que parece o Zeca Pagodinho. É estranho ter que dizer adeus aos profissionais, que se tornaram amigos e que foram diretamente responsáveis por uma conquista muito significativa na vida de qualquer um. É estranho ter que dizer adeus aos tantos amigos... Aos que construirão suas vidas através de outras áreas do conhecimento e aos que estão com o gosto amargurado da derrota, esse mesmo gosto que se fez tão presente em mim durante tanto tempo, mas que acabou dando um sabor todo especial à sensação de vitória. Conquista evidenciada claramente pela tremedeira e pelas lágrimas que brotam naturalmente no canto do olhar. O não-saber-para-onde-ir, a preocupação com os que ficaram para trás e o estranhamento causado por uma rotina completamente nova parecem ser de uma naturalidade impressionante, estando enraizados nos pensamentos de alguém que viu sua própria vida dar uma guinada tão significativa. Dando um último olhar para todas as coisas, sejam elas mínimas ou máximas, peguei um pedaço de papel numa sala vazia para chamar de último TD. Uma casquinha dupla com meus sabores prediletos para chamar de último sorvete. Um agradecimento a cada professor, a cada funcionário e a cada colega de sala para chamar de última despedida. Uma lembrança para chamar de saudade. Não a última, mas aquela latente, do tipo que não abandona e que faz sorrir ao trazer de volta os momentos bons.
Fechei a porta ao sair.