quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Último Sorvete.


Mesmo ônibus. Sinal, rua, número de passos. O porteiro, que parece estar de mau-humor mesmo nos dias em que se sente alegre. Para auxiliar seu trabalho, a catraca que emperra e insiste em recusar os cartões de acesso, mesmo no turno correto. Os painéis, nos quais são expostos avisos sobre as aulas do dia, resultados dos simulados, indicações das salas em que ocorrerão aulas extras. O tio do sorvete, atrapalhado, que já derramou uma apetitosa bola de morango no próprio pulso e que já me vendeu sorvetes no limiar do derretimento, responsáveis por tantas trágicas manchas nas roupas. O tio do caixa da cantina, leitor assíduo de Stephen King, que morria de rir sempre que eu pedia uma “goiabinha de chocolate”. A tia da cantina, com seu batom vermelho borrado, e o tio da cantina, que sempre atendeu aos meus pedidos de caprichar no leite condensado da minha salada de frutas.

Hoje, minha despedida declarada. Andei pelos corredores, sentei nos bancos, entrei nas salas que mais foram freqüentadas por mim. Só não tive coragem de voltar à biblioteca, por lembrar de quando estive lá, folheei alguns livros que me foram emprestados e achei, dentro de um deles, um comprovante de devolução assinado por mim. Deixei o papel lá, de lembrança, levando aquele momento como o de despedida ideal. De todo aquele lugar, que até então foi minha segunda casa, e de todos os rostos e vozes que se fizeram presentes durante tanto tempo, eu me despedi com um apego de quem olha para trás a cada passo dado em direção à saída. É estranho ver o carrinho de pipocas sem o tio que parece o Zeca Pagodinho. É estranho ter que dizer adeus aos profissionais, que se tornaram amigos e que foram diretamente responsáveis por uma conquista muito significativa na vida de qualquer um. É estranho ter que dizer adeus aos tantos amigos... Aos que construirão suas vidas através de outras áreas do conhecimento e aos que estão com o gosto amargurado da derrota, esse mesmo gosto que se fez tão presente em mim durante tanto tempo, mas que acabou dando um sabor todo especial à sensação de vitória. Conquista evidenciada claramente pela tremedeira e pelas lágrimas que brotam naturalmente no canto do olhar. O não-saber-para-onde-ir, a preocupação com os que ficaram para trás e o estranhamento causado por uma rotina completamente nova parecem ser de uma naturalidade impressionante, estando enraizados nos pensamentos de alguém que viu sua própria vida dar uma guinada tão significativa. Dando um último olhar para todas as coisas, sejam elas mínimas ou máximas, peguei um pedaço de papel numa sala vazia para chamar de último TD. Uma casquinha dupla com meus sabores prediletos para chamar de último sorvete. Um agradecimento a cada professor, a cada funcionário e a cada colega de sala para chamar de última despedida. Uma lembrança para chamar de saudade. Não a última, mas aquela latente, do tipo que não abandona e que faz sorrir ao trazer de volta os momentos bons.

Fechei a porta ao sair.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Que seja doce.


"Hoje eu saí de casa tão feliz, que nem me lembrei que em algumas horas a tristeza bate, me sacode e me faz sentir dores que eu não imaginava que continuavam ali..."

"...Mas eu tinha que ficar contente. E quando você quer, você fica. Comecei a ficar."



Duas citações diferentes que poderiam perfeitamente se encaixar. Algumas coisas na vida funcionam assim, afinal. Que a leveza que me acomete agora continue aqui por um bom tempo. O post é curto porque hoje eu quero viver. :)

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Relógio.


Acordei. Suor pingando na testa, marcas de lençol nas mãos. Argh, odeio essas marcas de lençol, na certa devem estar no rosto também. Pomada contra acne, sobrancelha recém-tirada como um adorno quase perfeito aos olhos grandes e profundos e duros, brilhando na escuridão de uma madrugada sem hora. E agora, faço o quê? Acabar com o calor, acabar com a insônia, acabar com a noite, acabar com essa teia fria e insípida que tem tomado conta dos meus dias, transformando-me em qualquer coisa que eu não era antes e seqüestrando-me do domínio de mim. Ah que ironia, logo eu, tão senhora dos meus atos. Logo eu, tão politicamente-correta-exemplo-pra-todo-mundo-tá-vendo-tá-vendo-como-ela-é-demais. Uma teoria: As pessoas me põem num pedestal pra não precisarem se aproximar de mim, pra não ser preciso o toque, o contato. Fato? Talvez. Pode até ser aplicado em alguns casos. Rasgo a noite com um riso. Um riso irônico, claro. Tudo muito largo, as ondas espalham-se pelo quarto e grudam-se no lilás das paredes escondidas pela negra ausência de luz. Belo quadro, não? A senhora dos próprios atos trancafiada no sem hora da noite. Daria um bom título, pra livro, talvez. Vou guardá-lo pra história que não escreverei. Mãos atadas, preciso comprar baterias pra minha lanterninha, sabe como é, preciso ler nessas horas. Não posso acender a luz, não posso incomodar ninguém, não posso, não. Não. Palavrinha dura, essa. Mas eu até gosto dela, como gosto de qualquer coisa que seja diferente de um silêncio, por mais difícil que seja. Será que eu deveria mesmo ter dito tantos nãos? Penso neles e nos nãos que desfizeram muitos planos. Nunca vou saber, que se há de fazer. Só sei que um banho cairia bem. Toalha, sabonete com cheiro de morango (mofado?), saio no escuro, tem gente que acredita que um banho de sais, por exemplo, leva os males embora. Não tenho sais, será que só a água serve? Se não servir, paciência. De qualquer maneira, tudo tanto faz. A noite quente cede às minhas estratégias de ataque. O calor já foi embora, mas ainda não tive coragem de olhar as horas. O tempo ainda me aflige. Um ano, vai fazer um ano. Já fez, fará. Um ano, dez, cem. Sem.

Com essa mínima palavrinha voando à minha volta, durmo quase imediatamente.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Para uma avenca partindo.


Sem mais. Não há o que dizer depois de palavras como essas.
Esperando vir um dia chuvoso, ambiente propício, música adequada. Meu livro do Caio finalmente chegou.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

"Alegrias e penas por aí..."


“Pensar é exercício de alegria
entre veredas de erro, cordilheiras de dúvida,
oceanos de perplexidade.
Pensar, ele o provou, abrange todos os contrastes,
como blocos de vida que é preciso polir e facetar
para a criação de pura imagem:
o ser restituído a si mesmo.
Contingência em busca de transcendência.”
(Drummond)

Oi, blog. Viu como eu tô evoluindo? Quatro postagens em cinco dias, quem diria! Hoje andei fazendo algumas coisas... hm... meio que fora do padrão. Uma vontade absurda de pôr as coisas em ordem. As internas são bem mais complicadas, mas nas externas pode-se dar um jeito. Não digo faxina, já que a genética definitivamente me privou de qualquer dote doméstico que vá além de fazer deliciosas trufas de chocolate com recheios privilegiados no quesito leite condensado. Nada disso. Arrumei papéis antigos, joguei muita coisa fora, consertei meu subwoofer - Dá pra acreditar que três das cinco caixas de som estavam com mau contato? Por isso eu sentia tanta falta de alguns instrumentos quando ouvia minhas músicas! Um absurdo! -, limpei meus óculos, organizei meus vestidos... Tudo isso ouvindo um Ray LaMontagne falando “I still care for you” num timbre rouco charmosíssimo. Aproveitei pra organizar umas coisinhas pro meu pai, uma pequena recompensa pelo carinho, já que ele vem ao meu quarto - o mais isolado da casa - inúmeras vezes ao longo do dia só pra me dar um beijo e constatar que: a) sim, eu ainda estou lendo; b) sim, tá tarde, mas não precisa apagar a luz que eu ainda estou lendo; c) sim, eu já terminei aquele livro, mas peguei outro logo em seguida e a fila literária anda. Aliás, voa. Estou prestes a bater um recorde, quatro livros em menos de um mês. Ah, férias. Por que você não chegou antes?




P.S.: As inúmeras citações ao Drummond não são por acaso. Li a metade de um livro dele durante um pedacinho da tarde. O resto dela foi dedicada a um som em volume relativamente alto, à arrumações de objetos pessoais e à adrenalina proporcionada por episódios quentíssimos de Prison Break. Por enquanto, tentarei conciliar a leitura de dois livros simultâneos, o que só será possível porque um deles é justamente de poesia. Sabe como é, uma viagem à Nárnia, uma pausa com o amor terno de Drummond. Quem sabe isso dá certo.

P.S.2: Post estranho, né? Parece diário. Mas enfim. Não me prenderei a estilos de escrita, assim como não me prenderei a muita coisa que me restringia antigamente. Sabe aquelas pequenas metas de ano novo? Pois é.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Oi? =D


"Para sonhar um ano novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo novo. Eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente. É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre."
(Carlos Drummond de Andrade)

Hoje eu tô morrendo de vontade de... rir, sorrir, abstrair, distrair, desmedir. Sabe o que é você não ter nada pra fazer e resolver pôr uma música alto-astral no volume máximo? Pois é.
Valeu pelo impulso, Drummond.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Motivo eu já nem sei.

Frio, cobertor, letras. Uma música ouvida antes do sono ainda presente no inconsciente. Vento sorrateiro mexendo de leve nos cabelos, que se movimentam quase imperceptivelmente. Crio coragem e pego o violão. O que ressoava na minha mente agora enche o quarto de sons melodicamente perfeitos para o momento. A voz do cantor transforma-se na minha, ainda fraca devido ao sono. O som da chuva mistura-se ao dos acordes e da voz. O cheiro da água batendo em telhados, em terra e em gente mistura-se ao cheiro de páginas novas do livro que descansa na mesinha de cabeceira e ao meu próprio cheiro, presente no cobertor que me abrigou durante mais uma noite fria de sábado. A janela, tão próxima da cama, permite a passagem de algumas gotículas, que, saindo das nuvens, vêm sutilmente molhar alguns fios de cabelo, a extremidade do braço do violão, a capa do livro, a ponta de meus dedos. Os minutos escorrem como se evaporassem no ar, cada instante do passado se desfaz involuntariamente enquanto um novo se apresenta de maneira fugaz, quase num pedido de desculpas por tamanha intransigência de aparecer sem ser chamado. A música acaba. Os braços descansam em cima do violão, num quase abraço que implora por um pouco de calor. O olhar concentra-se nas nuvens, que insistem em esconder o céu, e os pensamentos perdem-se na chuva, que, aos poucos, começa a passar.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Página em branco.


Sabe quando você não sente que um dia tá acabando? Pois é. O mesmo acontece quando um mês tá acabando, quando um ano tá acabando... Ou mesmo quando uma fase da sua vida tá acabando. O começo de algo novo é como o primeiro sopro de ar adquirido após um mergulho intenso. Revigora os pulmões, a alma sorri. Talvez pelo fato de que a contagem do tempo é algo puramente cronológico, inventado pelo imperfeito homem. O verdadeiro tempo, incontável, não nos pertence e encontra-se num nível superior ao que nós estamos. Nunca sabemos quando algo verdadeiramente acabou. Às vezes resta uma sombra, escondida, que retorna com todas as forças a cada vez que surge uma oportunidade qualquer, obscurecendo tudo ao redor. Outras vezes, porém, o sumiço acontece de forma tão sorrateira que nos espantamos ao constatar que as mudanças aconteceram. Ontem, à meia-noite, ao ver um milhão de pessoas comemorando um ano novo que chegava, essa sensação ficou bem clara pra mim. Na verdade não queria comemorar, pois acho que não andei tendo muitos motivos pra isso, mas queria, humildemente, pedir aos céus, aos orixás, aos deuses, aos santos, às divindades naturais... ao que quer que fosse, queria pedir uma leveza, uma serenidade, uma paz interior e exterior que contaminasse tudo e todos que estivessem ao meu redor, uma espécie de luz que tivesse o poder de atrair o máximo possível de acontecimentos e pessoas doces. Fáceis, acessíveis, simples, do bem.

O frio vem conforme o cobertor. Meu principal pedido foi que o meu cobertor continuasse sendo suficiente pra agüentar todo o frio que pudesse vir a me fazer mal. Que eu continuasse tendo a capacidade de sorrir e que a frustração e a decepção causada por algumas pessoas passasse a não mais me magoar. Ou, pelo menos, que essa mágoa se desse de forma menos prejudicial a mim mesma. Que eu mantivesse a minha espontaneidade, o meu caráter forte e o meu radar, que capta as hipocrisias que me cercam. Ah, que eu não queira mais palavras daqui pra frente. Que eu não fique mais feito tonta, esperando por uma mínima manifestação de carinho de quem me descarta como um livro velho de auto-ajuda. Sabe? Explodam-se os outros, o meu reveillon tinha que ser o melhor possível. E foi. Pra mim mesma. Não há como evitar um sorriso enquanto se ouve a Nona de Beethoven e o Bolero de Ravel enquanto uma chuva de cores ilumina os céus no lugar onde você está. Não há como evitar um sorriso enquanto se abraça uma das melhores pessoas do mundo e há o pensamento conjunto: “Estamos aqui, sozinhas, mas... olha, vencemos mais um. Mais um ano de muitos que já se foram e de muitos que ainda virão pra nós. Sozinhas por um lado, incontestavelmente unidas por outro.”

Católicos, budistas, evangélicos... Não interessa a religião. Todos pulavam as sete ondas, jogavam-se no mar, abraçavam-se, comemoravam. Todos com um pensamento de positividade pra receber uma página em branco prestes a ser preenchida por todos nós, pedindo a uma força superior – seja ela qual for – que faça com que esse preenchimento ocorra da melhor forma possível. Fica a lição de positividade, mesmo em face das piores decepções, dos mais trágicos acontecimentos, dos maiores períodos de tristeza, das vergonhosas derrotas... O frio vem conforme o cobertor. Que o meu seja bem resistente. Que 2010 seja doce.