quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Carta-crônica de tempos idos.

Lívia Vital, vital a mim!

Nem acreditei quando vi seu breve email com um simples "oi" constando como assunto. Menina, quanto tempo! Você não imagina a minha felicidade ao constatar que uma amiga tão querida, com quem eu não falo há anos, ainda lembra-se de mim. Não pude evitar um sorriso ao ler a parte em que você falava que agora eu estou uma mulher e que antes era uma menininha. É, amiga, muita coisa aconteceu. Não se espante com o estilo de escrita deste email nem com a sua provável longa extensão, mas é que eu mudei bastante de uns tempos pra cá. Uma das mudanças aconteceu com a minha maneira de escrever, como você já deve ter percebido. Sabe, você nem imagina, mas ultimamente eu ando precisando escrever. Uma necessidade urgente, como um ato proibido que é repentinamente permitido depois de um longo período de abstinência. Tanta coisa pra te contar, tanta coisa. Tantos meses, dias, horas e acontecimentos que se passaram e que foram responsáveis, direta ou indiretamente, pelas mudanças que me ocorreram! Estes emails provavelmente serão um ótimo pretexto pra te contar tudo. Talvez seja bom falar pra ti, que esteve distante o tempo inteiro e que não tem contato algum com ninguém que fez parte desse período (inclusive comigo, né, dona ausente). Perdoe-me a provável visão unilateral que eu possa vir a ter, acho que vou narrar como um Bentinho machadiano, mas vou fazer o possível pra que você tenha uma visão ampla do que me tem ocorrido nos pensamentos pra que você tire as suas próprias conclusões, já que as “principais” (entre aspas porque eu ainda tenho minhas dúvidas quanto a isso) pessoas que passaram pela minha vida pareciam não enxergar um palmo à frente do nariz e acho que continuam cegos até hoje. Mas, deixa isso pra lá, fica pra próxima. Melhor não contar nada agora, já que eu pretendo até postar este email no meu blog, quem sabe. Uma lição que eu tirei de tudo foi a de olhar só pra frente a partir de agora.

Fiquei imensamente feliz quando soube que você se casou. Parabéns, Li! Espero que esteja bem, aproveitando esse começo de uma nova fase de um relacionamento que só tende a se estabilizar com o passar dos anos. É sempre bom ver que as pessoas queridas estão conseguindo vencer em uma das principais conquistas que se pode ter na vida: tranqüilidade no coração. E o Lucas, tá bem? Deve estar um rapazinho agora. Sempre me lembro dele e de ti quando vejo Amélie Poulain. Prometa que vai transformar seu filho num completo viciado em literatura, hein. Eu farei isso com os meus, com absoluta certeza. Falando em literatura, o que eu mais tenho feito nos últimos tempos é ler. Descobri uma paixão avassaladora por História, que me tem feito devorar alguns milhares de páginas de conteúdos históricos que pra mim são interessantíssimos. O vestibular... Bom, ainda não sei se foi dessa vez. De qualquer maneira, aviso quando o resultado sair, o que acontecerá em meados de janeiro. Esse pensamento meio pessimista não é nem tanto pela prova, que foi razoável, mas pode ser justificado por algumas esperanças que eu andei nutrindo e que se foram frustrando numa velocidade absurdamente destrutiva. Então, a partir de agora, decidi carregar energia positiva dentro de mim e continuar fazendo o que posso pra alcançar o que quero, mas sempre me preparando pra pior das hipóteses. Sei lá, me sinto melhor assim. Depois que adotei essa atitude, as únicas surpresas que recebo são boas. Como é que alguém pode te decepcionar se você não esperava nada daquela pessoa? Impossível. Assim, se algo de bom vier a acontecer, por menor que seja, será sempre uma ótima surpresa.

E os planos pra 2010? Bom, eu não costumo mais fazer planos, mas há algumas possibilidades pro futuro relativamente palpáveis com as quais acho que posso contar. Tenho um estágio quase certo numa agência que trabalha com jornalismo cultural, assessoria de imprensa e que também atua como ONG. Parece ser algo promissor, andei pesquisando algumas coisas sobre a empresa e gostei muito do que descobri, acho que combina com o meu perfil. Talvez eu volte a estudar música clássica, quem sabe até montar um grupo de chorinho ou algo do tipo, sempre quis me aventurar e cantar aquelas músicas antigas que embalavam o tempo dos nossos avós. Mas, no momento, nada relativo ao futuro depende de mim. Saberei daqui a alguns dias se essas possibilidades poderão consolidar-se logo ou terão que esperar mais um ano.

No mais, flor, espero que a gente mantenha contato. Manda mais notícias, tá? Quero saber como tá a sua vida, o que tem feito. Trabalho, amor, moradia, família, essas coisas que a gente compartilha com quem a gente gosta e com quem merece a nossa confiança. Acho que estas palavras deveriam ser mandadas por carta, pelo correio, com tudo bonitinho, mas eu não ando com muito entusiasmo pra sair à rua. Tenho vivido numa bolha desde que entrei de férias, cercada de livros, de filmes e de música. Acho que, no fundo, era o que eu tava precisando depois de um ano tão difícil em vários aspectos. Espero que a intenção valha e que essa enxurrada de palavras não a tenha aborrecido. Se ainda tiver tempo de ler este email até o reveillon, um incrível ano novo pra ti e pra todo mundo de quem você gosta. Que 2010 seja doce pra você e pra mim. Boas festas, que a gente possa começar o ano com o pé direito e que nos seja permitido vivê-lo com os dois pés, as mãos e tudo o mais de que precisarmos pra atingir as nossas metas.

Te cuida, Li. Foi ótimo você ter aparecido.
Beijo, T.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Pé de cachimbo.


Hoje é domingo e, na praia, o marido jogou um copo cheio de cerveja na direção da esposa porque esta o implorava para que ele parasse de beber. A mulher rica saiu do salão de beleza onde gastara uma quantia astronômica num corte de cabelo e pareceu nem notar a presença da criança que pedia esmolas na rua. O pai ausente, que passava a semana toda trabalhando, pegou a cerveja na geladeira e ficou a tarde inteira vendo futebol enquanto o filho brincava sozinho no quarto. A namorada insensível saiu da casa do namorado apressada e impaciente, não se dando sequer o trabalho de responder às declarações amorosas que dele recebera. A adolescente, que pensava ser popular, chorou sozinha porque tinham esquecido que aquele era o dia de seu aniversário. O rapaz solitário arrumou as malas, sabendo que não teria para quem trazer um colar ou um anel como presentes da viagem. A mãe solteira, que ficava o tempo todo ansiando por um final de semana com o filho, entristeceu-se ao ver que ele preferia ficar o dia inteiro jogando videogame a ter a companhia dela. A menina sonhadora escreveu cartas para aquele que provavelmente riria dela e a desprezaria se um dia lesse aquelas palavras. A senhora de cabelos brancos, abatida pelo tempo e pelo cansaço, afligia-se porque não conseguia lembrar direito do dia em que se casou com seu falecido marido. A moça solitária tocou violão no seu quarto e desejou que alguém estivesse ali, enquanto observava o pôr-do-sol da sua janela. A mulher inteligente e infeliz no casamento sentiu que a sua vida poderia estar sendo muito diferente ao reencontrar um antigo colega de faculdade e receber dele um abraço carinhoso e nostálgico depois de tantos anos.

Hoje é domingo. Só mais um domingo no meio de tantos outros dias que nascem e morrem, encurtando as nossas vidas. A cada domingo que passa, no qual aceitamos as situações ruins, parecemos ter a certeza de que não agüentaremos a próxima segunda-feira. Tão tolos somos nós, completamente cegos para o fato de que as mudanças residem aqui dentro, no âmago, onde a contagem do tempo não alcança e não ameaça, e os domingos nada são além de um conjunto de sensações que morrem junto com o fim da madrugada.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Alguns trechos de leituras esporádicas selecionados por motivos absurdamente adoráveis.

É como se fosse a primeira vez de uma troca de olhares, de um "começo de qualquer relacionamento", coisas do tipo. Mesmo que fique na amizade, é bom. Tô me sentindo bem depois do impacto que tive ontem, tô razoavelmente bem. E que seja doce, independente do que aconteça daqui pra frente, que seja doce.

~x~

Não chegaram a usar palavras como "especial", "diferente" ou qualquer coisa assim. Apesar de, sem efusões, terem se reconhecido no primeiro segundo do primeiro minuto. Acontece porém que não tinham preparo algum para dar nome às emoções, nem mesmo para tentar entendê-las.

~x~

Saudade saudade saudade saudade saudade saudade saudade saudade. Amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor. Todos os beijos já existentes e não existentes todos os beijos os beijos dados mais os que estão por dar. Não se perca. Não se esqueça. Viver bem é a melhor vingança.

~x~

É você quem sorri, morde o lábio, fala grosso, conta histórias, me tira do sério, faz ares de palhaço, pinta segredos, ilumina o corredor por onde passo todos os dias.

~x~

Anyway, me dói a possibilidade de um não, me dói a possibilidade de um silêncio, me dói não saber de que forma chegar a ele, sacudi-lo, dizer ‘me olha, me encara, vamos ou não vamos nessa?’ Bueno, os dados estão lançados, e agora só me resta lavar as mãos sujas do sangue das canções.

~x~

Não há nada a temer se você realmente se sente como eu.

~x~

Uma relação bonita, que eu quero preservar e deixar crescer. Imagino que ele também.

~x~

Desculpa, digo, mas se eu não tocar você agora vou perder toda a naturalidade, não conseguirei dizer mais nada, não tenho culpa, estou apenas me sentindo sem controle, não me entenda mal, não me entenda bem, é só esta vontade quase simples de estender o braço para tocar você, faz tempo demais que estamos aqui parados conversando nesta janela, já dissemos tudo que pode ser dito entre duas pessoas que estão tentando se conhecer, tenho a sensação impressão ilusão de que nos compreendemos, agora só preciso estender o braço e, com a ponta dos meus dedos, tocar você, natural que seja assim: o toque, depois da compreensão que conseguimos, e agora.

~x~

EU - É possível um rio secar completamente?
ELA - Claro que é.
EU - Mas será que ele não enche depois? Nunca mais?
ELA - Alguns sim, outros não.
EU - Mas nunca mais?
ELA - Sei lá, acho que não.
EU - Você tem certeza?
ELA - Certeza eu não tenho. Só estou dizendo que acho. Afinal não sou nenhuma especialista em matéria de rios, secos ou não.
EU - Sabe?
ELA - O quê?
EU - Eu tinha esperança que o rio voltasse a encher um dia.

~x~

Preciso realmente dizer quem é o autor?
Acho que não, né.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Permita-se!

Parei na esquina. Algo pedia que eu olhasse pra trás. Não, não olhei. "Eeei, não me deixa!" Reconheci aquela voz, era uma voz triste e chorosa. Era eu. Eu, passado. Continuei firme na minha caminhada e segui.
Na outra esquina vi outra garota que sorria pra mim. Ela era diferente. Madura. Era eu de novo. Eu, futuro.
De vez em quando, eu, presente, tinha uma vontade imensa de olhar pra trás e tentar responder algumas perguntas, mas olhar para eu no passado trazia dor. Outra vez queria apressar meu passo e saber como eu estaria no futuro. A cada passo que eu dava, o meu eu futuro dava dois. E eu perdia muito tempo pensando nisso, percebi que meu futuro diminuía o sorriso cada vez que eu apressava o passo.
Então, encontrei um velhinho sábio que me deu um panfleto. Lá tinha escrito: "Um dia de cada vez". Então mudei. A partir daquele momento mudei. Coloquei um fone no ouvido e parei de ouvir o passado. Se ele não podia ser mudado, não me permiti mais pensar nele. Coloquei um óculos escuro e parei de prestar atenção no futuro. Olhei para o presente e me perguntei: O que eu posso fazer HOJE? Desde trabalhos da faculdade a ajudar alguém. Se eu sei que terei um problema semana que vem, me preocuparei com ele semana que vem. Hoje não vou desperdiçar meu dia. Todo os dias acordo, sento na cama e me proponho que hoje, apenas hoje, eu vou me permitir ser feliz!



E é aí que Caio complementa:
"Não espero nenhum olhar, não espero nenhum gesto, não espero nenhuma cantiga de ninar. Por isso estou vivo. Pela minha absoluta desesperança, meu coração bate ainda mais forte. Quando não se tem mais nada a perder, só se tem a ganhar. Quando se pára de pedir, a gente está pronto para começar a receber. O futuro é um abismo escuro, mas pouco importa onde terminará a minha queda. De qualquer forma, um dia seremos poeira. Quem é você? Quem sou eu? Sei apenas que navegamos no mesmo barco furado, e nosso porto é desconhecido. Você tem seus jeitos de tentar. Eu tenho os meus. Não acredito nos seus, talvez também não acredite nos meus próprios. Não lhe peço que acredite em mim."

"E tô achando bom, tô repetindo que bom, Deus, que sou capaz de estar vivo sem vampirizar ninguém, que bom que sou forte, que bom que suporto, que bom que sou criativo e até me divirto e descubro a gota de mel no meio do fel. Colei aquele “Eu Amo Você” no espelho. É pra mim mesmo."


Sei que tenho sido uma péssima dona, blog. Nada de palavras minhas aqui por enquanto. Achei esse post aqui e resolvi postá-lo porque li os mesmos trechos do Caio recentemente e ultimamente tenho andado muito nessa vibe. O que me aconteceu nos últimos tempos renderia páginas e páginas de assuntos não tão interessantes assim, mas eu prefiro não escrever nada agora porque a minha inspiração está sendo aplicada em um destino bem mais adorável. No mais, andei lendo muitos trechos merecedores de um espaço aqui. Acho que agora terei mais tempo de vir te visitar, mesmo que seja usando inspirações alheias. Um beijo, cem beijos. ;*

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

O Búfalo.

Mas era primavera. Até o leão lambeu a testa glabra da leoa. Os dois animais louros. A mulher desviou os olhos da jaula, onde só o cheiro quente lembrava a carnificina que ela viera buscar no Jardim Zoológico. Depois o leão passou enjubado e tranqüilo, e a leoa lentamente reconstituiu sobre as patas estendidas a cabeça de uma esfinge. "Mas isso é amor, é amor de novo", revoltou-se a mulher tentando encontrar-se com o próprio ódio mas era primavera e os dois leões se tinham amado. Com os punhos nos bolsos do casaco, olhou em torno de si, rodeada pelas jaulas, enjaulada pelas jaulas fechadas. Continuou a andar. Os olhos estavam tão concentrados na procura que sua vista às vezes se escurecia num sono, e então ela se refazia como na frescura de uma cova.

Mas a girafa era uma virgem de tranças recém-cortadas. Com a tola inocência do que é grande e leve e sem culpa. A mulher do casaco marrom desviou os olhos, doente, doente. Sem conseguir — diante da aérea girafa pousada, diante daquele silencioso pássaro sem asas —, sem conseguir encontrar dentro de si o ponto pior de sua doença, o ponto mais doente, o ponto de ódio, ela que fora ao Jardim Zoológico para adoecer. Mas não diante da girafa que mais era paisagem que um ente. Não diante daquela carne que se distraía em altura e distância, a girafa quase verde. Procurou outros animais, tentava aprender com eles a odiar. O hipopótamo, o hipopótamo úmido. O rolo roliço de carne, carne redonda e muda esperando outra carne roliça e muda. Não. Pois havia tal amor humilde em se manter apenas carne, tal doce martírio em não saber pensar.

Mas era primavera, e, apertando o punho no bolso do casaco, ela mataria aqueles macacos em levitação pela jaula, macacos felizes como ervas, macacos se entrepulando suaves, a macaca com olhar resignado de amor, e outra macaca dando de mamar. Ela os mataria com quinze secas balas: os dentes da mulher se apertaram até o maxilar doer. A nudez dos macacos. O mundo que não via perigo em ser nu. Ela mataria a nudez dos macacos. Um macaco também a olhou segurando as grades, os braços descarnados abertos em crucifixo, o peito pelado exposto sem orgulho. Mas não era no peito que ela mataria, era entre os olhos do macaco que ela mataria, era entre aqueles olhos que a olhavam sem pestanejar. De repente a mulher desviou o rosto: é que os olhos do macaco tinham um véu branco gelatinoso cobrindo a pupila, nos olhos a doçura da doença, era um macaco velho — a mulher desviou o rosto, trancando entre os dentes um sentimento que ela não viera buscar, apressou os passos, ainda voltou a cabeça espantada para o macaco de braços abertos: ele continuava a olhar para a frente: "Oh não, não isso", pensou. E enquanto fugia, disse: "Deus, me ensine somente a odiar".

"Eu te odeio", disse ela para um homem cujo crime único era o de não amá-la. "Eu te odeio", disse muito apressada. Mas não sabia sequer como se fazia. Como cavar na terra até encontrar a água negra, como abrir passagem na terra dura e chegar jamais a si mesma? Andou pelo Jardim Zoológico entre mães e crianças. Mas o elefante suportava o próprio peso. Aquele elefante inteiro a quem fora dado com uma simples pata esmagar. Mas que não esmagava. Aquela potência que no entanto se deixaria docilmente conduzir a um circo, elefante de crianças. E os olhos, numa bondade de velho, presos dentro da grande carne herdada. O elefante oriental. Também a primavera oriental, e tudo nascendo, tudo escorrendo pelo riacho.

A mulher então experimentou o camelo. O camelo em trapos, corcunda, mastigando a si próprio, entregue ao processo de conhecer a comida. Ela se sentiu fraca e cansada, há dois dias mal comia. Os grandes cílios empoeirados do camelo sobre os olhos que se tinham dedicado à paciência de um artesanato interno. A paciência, a paciência, a paciência, só isso ela encontrava na primavera ao vento. Lágrimas encheram os olhos da mulher, lágrimas que não correram, presas dentro da paciência de sua carne herdada. Somente o cheiro da poeira do camelo vinha de encontro ao que ela viera: ao ódio seco, não a lágrimas. Aproximou-se das barras do cercado, aspirou o pó daquele tapete velho sangue cinzento circulava, procurou a tepidez impura, o prazer percorreu suas costas até o mal-estar, mas não ainda o mal-estar que ela viera buscar. No estômago contraiu-se em cólica de fome a vontade de matar. Mas não o camelo de estopa. "Oh, Deus, quem será meu par neste mundo?"

Então foi sozinha ter a sua violência. No pequeno parque de diversões do Jardim Zoológico esperou meditativa na fila de namorados pela sua vez de se sentar no banco da montanha-russa.

E ali estava agora sentada, quieta no casaco marrom. O banco ainda parado, a maquinaria da montanha-russa ainda parada. Separada de todos no seu banco parecia estar sentada numa igreja. Os olhos baixos viam o chão entre os trilhos. O chão onde simplesmente por amor — amor, amor, não o amor! —, onde por puro amor nasciam entre os trilhos ervas de um verde leve tão tonto que a fez desviar os olhos em suplício de tentação. A brisa arrepiou-lhe os cabelos da nuca, ela estremeceu recusando, em tentação recusando, sempre tão mais fácil amar.

Mas de repente foi aquele vôo de vísceras, aquela parada de um coração que se surpreende no ar, aquele espanto, a fúria vitoriosa com que o banco a precipitava do nada e imediatamente a soerguia como uma boneca de saia levantada, o profundo ressentimento com que ela se tornou mecânica, o corpo automaticamente alegre — o grito das namoradas! —, seu olhar ferido pela grande surpresa, a ofensa, "faziam dela o que queriam", a grande ofensa — o grito das namoradas! —, a enorme perplexidade de estar espasmodicamente brincando faziam dela o que queriam, de repente sua candura exposta. Quantos minutos? Os minutos a um grito prolongado de trem na curva, e a alegria de um novo mergulho no ar insultando-a com um pontapé, ela dançando descompassada ao vento, dançando apressada, quisesse ou não quisesse o corpo sacudia-a como o de quem ri, aquela sensação de morte às gargalhadas, morte sem aviso de quem não rasgou antes os papéis da gaveta, não a morte dos outros, a sua, sempre a sua. Ela que poderia ter aproveitado o grito dos outros para dar seu urro de lamento, ela se esqueceu, ela só teve espanto.

E agora este silêncio também é súbito. Estavam de volta à terra, a maquinaria de novo inteiramente parada.

Pálida, jogada fora de uma igreja, olhou a terra imóvel de onde partira e onde de novo fora entregue. Ajeitou as saias com recato. Não olhava para ninguém. Contrita como no dia em que no meio de todo o mundo tudo o que tinha na bolsa caíra no chão e tudo o que tivera valor enquanto secreto na bolsa, ao ser exposto na poeira da rua, revelara a mesquinharia de uma vida íntima de precauções: pó-de-arroz, recibo, caneta-tinteiro, ela recolhendo do meio-fio os andaimes de sua vida. Levantou-se do banco estonteada como se tivesse se sacudindo de um atropelamento. Embora ninguém prestasse atenção, alisou de novo a saia, fazia o possível para que não percebessem que estava fraca e difamada, protegia com altivez os ossos quebrados. Mas o céu lhe rodava no estômago vazio; a terra, que subia e descia a seus olhos, ficava por momentos distante, a terra que é sempre tão difícil. Por um momento a mulher quis, num cansaço de choro mudo, estender a mão para a terra difícil: sua mão se estendeu como a de um aleijado pedindo. Mas como se tivesse engolido o vácuo, o coração surpreendido.

Só isso? Só isso. Da violência, só isso.

Recomeçou a andar em direção aos bichos. O quebranto da montanha-russa deixara-a suave. Não conseguiu ir muito adiante: teve que apoiar a testa na grade de uma jaula, exausta, a respiração curta e leve. De dentro da jaula o quati olhou-a. Ela o olhou. Nenhuma palavra trocada. Nunca poderia odiar o quati, que no silêncio de um corpo indagante a olhava. Perturbada, desviou os olhos da ingenuidade do quati. O quati curioso lhe fazendo uma pergunta como uma criança pergunta. E ela desviando os olhos, escondendo dele a sua missão mortal. A testa estava tão encostada às grades que por um instante lhe pareceu que ela estava enjaulada e que um quati livre a examinava.

A jaula era sempre do lado onde ela estava: deu um gemido que pareceu vir da sola dos pés. Depois outro gemido.

Então, nascida do ventre, de novo subiu, implorante, em onda vagarosa a vontade de matar — seus olhos molharam-se gratos e negros numa quase felicidade, não era o ódio ainda, por enquanto apenas vontade atormentada de ódio como um desejo, à promessa do desabrochamento cruel, um tormento como se amor, a vontade de ódio se prometendo sagrado sangue e triunfo, a fêmea rejeitada espiritualizara-se na grande esperança. Mas onde, onde encontrar o animal que lhe ensinasse a ler o seu próprio ódio? O ódio que lhe pertencia por direito mas que em dor ela não alcançava? Onde aprender a odiar para não morrer de amor? E com quem? O mundo de primavera, o mundo das bestas que na primavera se cristianizam em patas que arranham mas não dói... oh não mais esse mundo! não mais esse perfume, não esse arfar cansado, não mais esse perdão em tudo o que um dia vai morrer como se fora para dar-se. Nunca o perdão, se aquela mulher perdoasse mais uma vez, uma só vez que fosse, sua vida estaria perdida — deu um gemido áspero e curto, o quati sobressaltou-se —, enjaulada olhou em torno de si e como não era pessoa em quem prestassem atenção, encolheu-se como uma velha assassina solitária, uma criança passou correndo sem vê-la.

Recomeçou então a andar, agora apequenada, dura, os punhos de novo fortificados nos bolsos, a assassina incógnita, e tudo estava preso no seu peito. No peito que só sabia resignar-se, que só sabia suportar, só sabia pedir perdão, só sabia perdoar, que só aprendera a ter a doçura da infelicidade, e só aprendera a amar, a amar, a amar. Imaginar que talvez nunca experimentasse o ódio de que sempre fora feito o seu perdão, fez seu coração gemer sem pudor, ela começou a andar tão depressa que parecia ter encontrado um súbito destino. Quase corria, os sapatos a desequilibravam, e davam-lhe uma fragilidade de corpo que de novo a reduzia a fêmea de presa, os passos tomaram mecanicamente o desespero implorante dos delicados, ela que não passava de uma delicada. Mas pudesse tirar os sapatos, poderia evitar a alegria de andar descalça? Como não amar o chão em que se pisa? Gemeu de novo, parou diante das barras de um cercado, encostou o rosto quente no enferrujado frio do ferro. De olhos profundamente fechados procurava enterrar a cara entre a dureza das grades, a cara tentava uma passagem impossível entre barras estreitas, assim como antes vira o macaco recém-nascido buscar na cegueira da fome o peito da macaca. Um conforto passageiro veio-lhe do modo como as grades pareceram odiá-la opondo-lhe a resistência de um ferro gelado.

Abriu os olhos devagar. Os olhos vindos de sua própria escuridão nada viram na desmaiada luz da tarde. Ficou respirando. Aos poucos recomeçou a enxergar, aos poucos as formas foram se solidificando, ela cansada, esmagada pela doçura de um cansaço. Sua cabeça ergueu-se em indagação para as árvores de brotos nascendo, os olhos viram as pequenas nuvens brancas. Sem esperança, ouviu a leveza de um riacho. Abaixou de novo a cabeça e ficou olhando o búfalo ao longe. Dentro de um casaco marrom, respirando sem interesse, ninguém interessado nela, ela não interessada em ninguém.

Certa paz enfim. A brisa mexendo nos cabelos da testa como nos de pessoa recém-morta, de testa ainda suada. Olhando com isenção aquele grande terreno seco rodeado de grades altas, o terreno do búfalo. O búfalo negro estava imóvel no fundo do terreno. Depois passeou ao longe com os quadris estreitos, os quadris concentrados. O pescoço mais grosso que as ilhargas contraídas. Visto de frente a grande cabeça mais larga que o resto do corpo, como uma cabeça decepada. E na cabeça os cornos. De longe ele passeava devagar com seu torso. Era um búfalo negro. Tão preto que, a distância, a cara não tinha traços. Sobre o negror a alvura erguida dos cornos.

A mulher talvez fosse embora mas o silêncio era bom no cair da tarde.

E no silêncio do cercado, os passos vagarosos, a poeira seca sob os cascos secos. De longe, no seu calmo passeio, o búfalo negro olhou-a um instante. No instante seguinte, a mulher de novo viu apenas o duro músculo do corpo. Talvez não a tivesse olhado. Não podia saber, porque nas trevas da cabeça ela só distinguia os contornos. Mas de novo ela pareceu tê-la visto ou sentido.

A mulher aprumou um pouco a cabeça, recuou-a ligeiramente em desconfiança. Mantendo o corpo imóvel, a cabeça recuada, ela esperou.

E mais uma vez o búfalo pareceu notá-la.

Como se ela não tivesse suportado sentir o que sentira, desviou subitamente o rosto e olhou uma árvore. Seu coração não bateu no peito, o coração batia oco entre o estômago e os intestinos.

O búfalo deu outra volta lenta. A poeira. A mulher apertou os dentes, o rosto todo doeu um pouco.

O búfalo como dorso preto. No entardecer era um corpo enegrecido de tranqüila raiva, a mulher suspirou devagar. Uma coisa branca espalhara-se dentro dela, branca como papel, fraca como papel, intensa como uma brancura. A morte zumbia nos seus ouvidos. Novos passos do búfalo trouxeram-na a si mesma e, em novo longo suspiro, ela voltou à tona. Não sabia onde estivera. Estava de pé, muito débil, emergida naquela coisa branca e remota onde estivera.

E de onde olhou de novo o búfalo.

O búfalo agora maior. O búfalo negro. Ah, disse de repente com uma dor. O búfalo de costas para ela, imóvel. O rosto esbranquiçado da mulher não sabia como chamá-lo. Ah!, disse provocando-o. Ah!, disse ela. Seu rosto estava coberto de mortal brancura, o rosto subitamente emagrecido era de pureza e veneração. Ah!, instigou-o com os dentes apertados. Mas de costas para ela, o búfalo inteiramente imóvel.

Apanhou uma pedra no chão e jogou para dentro do cercado. A imobilidade do dorso mais negra ainda se aquietou: a pedra rolou inútil.

Ah! disse sacudindo as barras. Aquela coisa branca se espalhava dentro dela, viscosa como uma saliva. O búfalo de costas.

Ah!, disse. Mas dessa vez porque dentro dela escorria enfim um primeiro fio de sangue negro.

O primeiro instante foi de dor. Como se para que escorresse este sangue se tivesse contraído o mundo. Ficou parada, ouvindo pingar como uma grota aquele primeiro óleo amargo, a fêmea desprezada. Sua força ainda estava presa entre barras, mas uma coisa incompreensível e quente, enfim incompreensível, acontecia, uma coisa como uma alegria sentida na boca. Então o búfalo se voltou pra ela.

O búfalo voltou-se, imobilizou-se, e, a distância, encarou-a.

Eu te amo, disse ela então com ódio para o homem cujo grande crime impunível era o de não querê-la. Eu te odeio, disse implorando amor ao búfalo.

Enfim provocado, o grande búfalo aproximou-se sem pressa.

Ele se aproximava, a poeira erguia-se. A mulher esperou de braços pendidos ao longo do casaco. Devagar ele se aproximava. Ela não recuou um só passo. Até que ele chegou às grades e ali parou. Lá estavam o búfalo e a mulher, frente a frente. Ela não olhou o cara, nem a boca, nem os cornos. Olhou seus olhos.

E os olhos do búfalo, os olhos olharam seus olhos. E uma palidez tão funda foi trocada que a mulher se entorpeceu dormente. De pé, em sono profundo. Olhos pequenos e vermelhos a olhavam. Os olhos do búfalo. A mulher tonteou surpreendida, lentamente meneava a cabeça. O búfalo calmo. Lentamente a mulher meneava a cabeça, espantada com o ódio com que o búfalo, tranqüilo de ódio, a olhava. Quase inocentada, meneando uma cabeça incrédula, a boca entreaberta. Inocente, curiosa, entrando cada vez mais fundo dentro daqueles olhos que sem pressa a fitavam, ingênua, num suspiro de sono, sem querer nem poder fugir, presa ao mútuo assassinato. Presa como se sua mão se tivesse grudado para sempre ao punhal que ela mesma cravara. Presa, enquanto escorregava enfeitiçada ao longo das grades. Em tão lenta vertigem que antes do corpo baquear macio a mulher viu o céu inteiro e um búfalo.

Clarice Lispector


De todos os contos dela que eu já li, esse é, sem dúvida, o meu preferido. Depois de ler essas palavras, tomei um susto enorme. Percebi que Clarice Lispector me conhece muito mais do que eu mesma me conheço. Ela viu partes de mim que eu mesma, às vezes, me recuso a enxergar.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Sobre os doces encontros.

"Outra coisa que penso quando me lembro daquelas uvas cor-de-rosa é que, na vida, as coisas mais doces custam muito a amadurecer".
[Caio Fernando Abreu]



Bela amiga querida,

Sobre a frase do Caio F. te afirmo: custam mas amadurecem. Assim, com ponto final e racionalmente. Por que a vida exige uma certa "frieza" da gente. Uma calma diante dos fatos que me parece tão gelada quanto um cálculo. Só se consegue superar as coisas racionalmente. Hoje me peguei pensando sobre o ano de 2009 (essas babaquices que rolam perto do dia 31 de dezembro, rss) e sobre tudo o que ocorreu até aqui... Bela, Guimarães Rosa tem razão, "o que a vida quer da gente é coragem". É isso mesmo. Coragem até para assumir a tristeza. E, sobre assumir as tristezas, a insatisfação eu te digo: Todo mundo pode sofrer Bela! Vida perfeita, com todo mundo o tempo inteiro feliz só acontece em outdoor.

E o melhor é que depois, lá no fundo-do-fundo-do-fundo do poço e dos becos de nós mesmos, chega um dia em que a gente se percebe e diz para si: Pronto, senti tudo, agora vou voltar. E a gente volta Bela. Volta forte, volta melhor e maior, para nós mesmos. E tudo fica diferente. Os valores sabe?

Olha que ainda restam uns 60 dias para acontecerem coisas lindas em 2009. Mas que ano hein?! Amiga... tudo muito foda. Mas aí, Bela, esses dias eu decidi lá no fundo-do-fundo-do-fundo do poço e dos becos de mim que já basta. Já senti tudo, já chorei tudo o que havia pra chorar, já passei dias inteiros dormindo tentando não viver o momento de vida que vivi. Agora chega!

Lá no fundo-do-fundo-do-fundo do poço e dos becos de mim descobri uma série de coisas lindas também. E hoje é mais confortável 'estar dentro de mim'. Tem muita coisa pra consertar, uma alegria inteira a ser construída e conquistada. Mas eu consigo tudo o que quero, você sabe que nasci assim : com sorte, "bumbum pra lua" beibe (risos).

E é isso o que te digo minha amora: não há tempo para que você permaneça no fundo-do-fundo-do-fundo do poço. Não dê ouvidos para aqueles "felizes forever" que sempre acham que os outros não possuem nenhum motivo para se sentirem tristes. Sinta tudo o que tiver pra sentir, não se acovarde, e depois retorne à superfície melhor que antes. Mas tudo no seu tempo...

Tenho saído pouco. Ando numa onda mais caseira "com meus livros e meus discos". Trabalhado tenho muito, você sabe que sou viciada em trabalho. Tenho me dedicado exclusivamente ao meu "retorno", rss. Vou voltar pra terapia, fazer yoga, mudar de ap, cortar o cabelo, tatuar o que sempre quis.

Viu só Bela, estou naquele famoso "momento Aline". Verdade que faz tempo que não te escrevo, mas penso sempre em você e em todos os meus amores e amoras espalhados por "esse mundão de Deus".

Detalhes indo por e-mail. Te escrevo aqui por saber que você adora a surpresa e sorri! Amiga, fica bem, dentro do teu possível. Lembra que você é rainha do seu tempo. Ele é teu. Aí depois retorne "bela e tirana", rss. Mil pensamentos positivos pra ti. Estou bem e quero viver muito e ser feliz mais ainda do que fui e sou.

Vamos lá, e que venham as alegrias!!!
Te abraço,
Li.

Mais um dos meus achados, uma carta de amiga pra amiga, que se encaixa maravilhosamente bem em muita coisa que eu gostaria de falar nesse finalzinho de 2009 e não consegui. (A fonte, como gosto de citar, é um blog encontrado nas minhas andanças internéticas. Quiserem ver essas palavras no seu contexto original, é só clicar aqui.) Aliás, eu posso até dizer que tenho facilidade de falar o que quero falar. O que falta mesmo é a vontade. Talvez os meus textos mais agradáveis - e ao mesmo tempo mais fortes e mais tudo - nunca tenham sido mostrados. Estão todos lacrados num invólucro inviolável, escondido muitas vezes até de mim mesma, compactuando apenas com a escuridão das noites em que foram escritos. Alguns rasgados, sobrevivendo apenas em um ou outro lapso de memória que me ocorre de vez em nunca. Meu "projeto" mais recente é um poema decassílabo, abandonado em meio às folhas de um caderno por pura e simples falta de tempo e de paciência. Acho que não tenho mais estômago pra tentar escrever poesia, assim como não tenho estômago pra melosidades. Talvez quando esse realismo machadiano resolver dar uma trégua eu termine o meu exercício poético. Por enquanto, a leitura de Drummond tem me abastecido nessa área da vida. No mais, é seguir o conselho de Guimarães: O que a vida quer da gente é coragem.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

If I trust in you, oh please, don't run and hide.

Ela tinha cachos, medo e um violão. Tinha também, nas mãos, uma revelação que acabara de ser entregue por mim. Sobre todos os momentos que passamos juntos, fossem contatos frágeis de corredor ou lapsos de pequenas loucuras ao cantarmos Eleanor Rigby com o máximo de intensidade que a nossa garganta permitia, naquele momento eu a fazia ver tudo sob um ângulo diferente, o meu ângulo, o ângulo que eu imaginava como sendo nosso. Seus olhos fecharam-se, como quem procura ver o passado olhando pra dentro de si. Principiei uma frase que ficou solta no ar, soando baixinho. Ela interrompeu: por favor, não fala nada. Silêncio. Meu vigor de rapaz jovem e robusto se perdia na grandeza de qualquer gesto que ela fizesse. Estava atônito, indefeso, à espera de qualquer reação, quando as cordas nervosas começaram a soar. Era If I Fell, saindo do violão lentamente, da maneira mais simples que eu já havia escutado. A melodia escorregava naquelas cordas, tocadas por mãos ligeiramente trêmulas, e ela não precisou falar nada pra que eu entendesse. Sua voz não saiu, mas a letra daquela canção ecoava na minha cabeça como uma clara mensagem avisando que eu seria, dali pra frente, o homem mais feliz do mundo. Os movimentos dos dedos pararam, mas não largaram o braço do violão. Olha pra mim, ela disse. Tive vontade de abraçá-la e dizer que eu jamais permitiria que ela se sentisse sozinha novamente, mas, dessa vez, foi a minha voz que teimou em não sair. Apenas olhei-a profundamente, como quem mergulha num oceano de infindáveis sensações.

domingo, 15 de novembro de 2009

A provação.

Sabe quando você está num ano de teste? Mas, assim... Teste de fogo, mesmo, no qual todos os limites em todos os campos da sua vida estão sendo postos à prova? Sejam os limites de resistência, como quem impõe situações desagradáveis só resolvíveis com muito jogo de cintura, muitos suspiros e muita força. Limites sentimentais, definhados e extintos até a última gota, como quem retorce um pano de chão insistentemente até que ele fique mais seco e fino do que palha. Limites de pensamento, como quem te rouba todas as idéias e as toma pra si, transmutando-as em algo absolutamente diferente do pensado por você mesma e dedicando-as a destinos visivelmente errados. Limites de espera, como quem chega logo após um cometa passar e sabe que ele só virá novamente daqui a alguns milhares de anos. Limites de boa vontade, quando você tem que sorrir mesmo após levar um golpe tão doloroso quanto uma punhalada no peito. Limites de decepções, como quem promete um prato de comida a uma criança faminta e depois tira o mesmo da frente dela, sem nenhuma explicação. Limites de consciência, como quem se infiltra no seu cérebro e faz questão de só fazer a memória recuperar os momentos em que você falhou com as outras pessoas.

Posso dizer que fui testada de todas essas maneiras e de muitas outras que eu sequer lembro agora. Alguns desses limites foram excedidos, venceram-me. Mas creio que nem todos, pelo menos até agora. Só sei que é madrugada - momento propício às artes, segundo os literatos - e eu ainda aqui. Acordada, elétrica, literária.

"Preciso de um colo que ninguém dá. Mas tudo bem."
Acho que, quando essa frase foi escrita, uma cena como a minha estava na mente do autor. Talvez. A parte do "Mas tudo bem" não nega. Eis a beleza dos contrastes.
Vou ali morrer um pouco, mesmo que provisoriamente. Amanhã volto à vida, retomando aquele otimismo tão necessário pra suportar todos os testes que a vida acaba nos impondo.

2009 pode ter sido um ano de provações que, até agora, parecem estar me vencendo.
Mas tudo bem, o ano ainda não acabou.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Das lições que encerram fábulas.

Sabe aqueles dias em que reviravoltas vão e vêm deixando como saldo uma moral da história? Ontem foi um desses dias. Um dia-fábula, pra ser mais precisa.

Vestibular chegando. Tensão no ar em tudo ao meu redor, exceto em mim. Não sei se pela pseudo-segurança que os bons resultados nos simulados me deram ou se por um pressentimento quase mediúnico de que coisas boas estão a caminho, o fato é que a tranqüilidade ainda se estabelece aqui dentro. Ainda. A prova acontecerá em alguns dias, daqui pra lá eu não garanto. Enquanto isso, vou torcendo pra que alguns amigos façam prova no mesmo local que eu. No mais, o que tiver de ser, será.

Uma das minhas atitudes adotadas recentemente tem sido a de não esperar mais nada das pessoas. Nem coisas boas, nem coisas ruins. Deixar a “mente em branco” pro que quer que aconteça. No decorrer do ano, algumas pessoas me surpreenderam absurdamente. Você leva a sua rotina normalmente, tenta encarar tudo da melhor maneira, reclama o mínimo possível dos ônibus lotados, da matemática irritante, da física insuportável, do cansaço, da quantidade astronômica de informações, da imensa decepção que algumas atitudes proporcionaram, dos problemas dos amigos, enfim.

Aí vem uma pessoa pra quem você nunca dedicou a mínima atenção e te fala uma coisa boa que fica ali. Aí vem um colega de sala, com quem você mal conversa, e diz que se espelha nos livros que você lê. Aí vem um professor de biologia, de cuja aula você nem gosta tanto assim, e diz que acredita em você. Que daqui a vinte anos ainda vai lembrar de você (isso o futuro dirá e eu vou fazer questão de constatar), que acredita no seu esforço e no seu bom caráter, que você é uma das pessoas com quem ele nunca falou mas que é alvo de uma admiração enorme pelo seu jeito de ser e pela sua organização, e mais um monte de outras coisas que foram ditas exatamente numa época em que você tanto precisava ouvir palavras boas, que não foram ditas pelos que você mais esperava, mas que te fizeram crer que o bem vem de lugares inesperados. Aí vem aquele novo amigo e divide uma barra do seu chocolate preferido enquanto espera, cansado, pelo início do aprofundamento de História. Aí vem a lembrança daquele saudoso rapaz tão querido que ficava do seu lado durante todas as aulas, que só andava com você se fosse de mãos dadas e que costumava ter um dos abraços mais confortadores daqueles dias. Lembrei que vai fazer um ano que não nos vemos. Onde estaria ele agora?

Perdemos as pessoas com uma facilidade inacreditável. Como diria o Caio, meu “psicólogo” que eu sempre gosto de citar: “Uma pessoa, quando tá longe, vive coisas que não te comunica, e tu, aqui, vive coisas que não a comunica. Então, vocês vão se distanciando e, quando vocês se encontrarem, vocês vão se falar assim: oi, tudo bom e tal, como é que vão as coisas? E aí ele vai te falar, por cima, de tudo que ele viveu, e, não sei, vai ser uma proximidade distante. Não adianta, no momento em que as pessoas se afastam, elas estão irremediavelmente perdidas uma da outra. Lembrando daquela companhia que me fazia tão bem e me dando conta do vazio que se estabeleceu com a sua ausência, vem a vontade de retribuir as gentilezas de agora. Seja com sorrisos no corredor, com mais chocolates, com dicas de outros livros ou com pedidos atendidos. No caso especial do professor de biologia, que passou o ano inteiro implorando pelas anotações que eu sempre faço no caderno, ele teve o seu pedido atendido. Separei tudo, organizei numa pasta e entreguei ontem. Recebi, como retorno, um sorriso que parecia não acreditar no que acontecia - como quem constata que o bem realmente vem de lugares inesperados -, planos de utilização do meu presente nas aulas do ano que vem, um agradecimento e a pasta que eu tinha comprado de volta. “As folhas já são mais que suficientes”.

A sensação que fica depois desses acontecimentos é extremamente boa. Por mais que isso se perca no turbilhão da memória com o passar do tempo, pequenas atitudes assim nos fazem pensar um pouco mais no sentido dos nossos atos. A questão do caderno passa longe de qualquer pose de “aluna exemplar”, porque eu estou distante disso. É mais uma confirmação de que a gente recebe aquilo que a gente dá, e, se pudemos fazer algo que vá deixar uma outra pessoa feliz, por que não fazê-lo? Por que fugir e ter medo ou vergonha ou receio de outras interpretações? Seres humanos não mordem e o que vale sempre é a sua própria consciência. Vim pensando nessas circunstâncias no caminho de casa, sobre o quão ridículos alguns atos podem se tornar e sobre a facilidade com que situações desagradáveis poderiam ser evitadas se fossem tratadas com um mínimo de naturalidade, sem parecer nenhum teatro fajuto de quinta categoria.

Em meio aos meus habituais mergulhos no interior de mim, como quem não cansa de afogar-se em mares intermináveis, recebo uma ligação. Uma amiga que eu não vejo há mais de um ano e que conheci no meio artístico pertencente aos amigos da minha mãe deu-me o melhor presente que ganhei durante todo o ano: uma contribuição significativa pra minha biblioteca, 25 livros. 5 Clarices, que já valeram quaisquer outros títulos que as acompanhasse. Neruda, Freud, Machado, Drummond. Junto a eles, um porta-jóias e muitos chocolates. A parte mais simbólica de todo o presente, os chocolates, fez-me pensar que eu sempre fiz isso pra muita gente, mas nunca tinha recebido algo do tipo – tão simples, mas tão bonito – de ninguém.

Acho que ganhei o ano. É, talvez. A lição que fica de toda essa fábula é a que eu vou continuar praticando: Apenas flutue, tendo como base a leveza da sua consciência, sem nada esperar. Na maioria das vezes, quem muito promete, nada cumpre. Esteja pronta pra se surpreender positivamente com algumas pessoas que sequer faziam parte dos seus pensamentos mais banais. Faça o possível para provocar sorrisos em quem merece e se policie para não criar esperanças com relação a nada nem a ninguém. Quem faz uma vez, não necessariamente faz duas. Mas quem faz dez, com certeza faz onze. O que nos resta depois do fim, depois de tudo, são as lembranças. Melhor agarrar-se a elas e desprender-se das ilusões, profundas e enganosas feito o mar.

domingo, 8 de novembro de 2009

Cem anos de perdão.



De repente me deu uma vontade de vê-la. Foi daquelas vontades que surgem do nada, como desejar tomar aquele sorvete que só tem na casa da sua avó, a kms de distância da sua cidade. Não, não, a vontade não vem do nada, vem da falta. Como faz falta ouvir a voz dela. Se o problema fosse sorvete, eu esperava as férias, pegava um ônibus e casava a visita aos familiares distantes com o gelado delicioso. Mas meu problema é outro, bem mais sério. Eu sinto saudades dela. E, diferente do sorvete, eu não posso simplesmente pegar um ônibus e fazer-lhe uma visita. Ela se transformou num poema calmo e tranqüilo. Não quero agora lembranças. Elas já estão muito bem guardadas nos álbuns do armário, nas cartas e na minha memória. Antes eu queria saber por que a luta dela não durou mais. Hoje já não me faz diferença. Adianta uma folha brigar e se desgastar, lutando para não cair da árvore no outono? Elas simplesmente vão ao chão. Mesmo caindo, elas têm graça e leveza. Mesmo no chão, têm a pureza e a beleza de uma folha. Não menos importantes pelo fato de terem caído, mas sendo assim, caducifólias, na sua essência. Eu quero poder abraçá-la novamente. E vê-la nos Natais, nas Páscoas e em outras datas comemorativas em que éramos presenteados com a sua presença. Eu quero falar-lhe coisas que não disse, só mais um 'Obrigado por tudo', pra enfatizar. Apesar de tudo, me sinto bem. Sinto lá no fundo que ela sabe de tudo isso. Porque alguns poemas (os mais sábios) conhecem muito mais o poeta do que o poeta conhece o poema. Eu não tenho dúvida nenhuma de que ela se transformou num desses sábios poemas, que são breves e levam consigo um significado infinito. Como é infinita a minha saudade. Hoje ela já não dói, é somente saudade, falta, lágrima, sem dor, sem cheiro, sem arrependimento. É saudade que não passa. É saudade, não medo. É conhecimento, quase tácito, de que ela está bem. Pois sinto que, onde está, ela respira ar puro, sorri e brinca no poema e na lua, com o bochechudo Raul.



Como se pode perceber, andei me esquivando da escrita. Para preencher o vácuo deixado pela falta de escapismo exigida por mim mesma, ando lendo bastante. Tudo o que posso, nos lugares mais inimagináveis. Coleciono fragmentos de textos que encontro por aí e guardo num documento do Word. Há inúmeros exemplares de trechos com os mais diversos significados e eu sempre tomo o cuidado de anotar o autor ou a fonte de onde foi extraído o exemplar da minha coleção. Nesse caso aí de cima, não há o nome do autor. Não lembro por qual razão, talvez tenha achado num site sem uma autoria definida ou talvez tenha sido o puro esquecimento que se faz cada vez mais presente no decorrer dos meus dias. Mas que fique bem claro que eu não sou ladra de palavras e que precisava postar aqui por achá-las de uma beleza absurdamente singular. O ditado não se aplica diretamente a mim, mas talvez eu tenha os meus cem anos de perdão por essa falha de dados nos meus trechos colecionados. 

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Desenho em sépia

Ah, os fins de tarde de um feriado. É estranho andar pelas ruas de um bairro calmo depois de tanto tempo de correria. As sombras se espreguiçam enquanto famílias se reúnem nas calçadas, a tarde parece não querer ir embora. Os ares de interior são trazidos pela moto do gás que passa com seu chocalhinho irritante, pelo bolero ouvido pelo grupo de senhores saudosos dos tempos passados, pelas crianças jogando bola na praça. Passo por ali como quem é transportada de uma dimensão cheia de engarrafamentos e prédios altíssimos para uma tarde qualquer dos tempos da minha infância, ou mesmo da infância das gerações passadas. Não podia me ver ali, mas tenho certeza de que o sol iluminava meus olhos, cabelos e mãos de maneira diferente.

Até que apareceu aquela casa. Hoje é uma empresa qualquer, uma fachada comercial praticamente irreconhecível, mas há poucos anos era o lugar pra onde eu me dirigia em praticamente todas essas tardes preguiçosas. Fazíamos música e os pássaros quase sempre nos acompanhavam. Parei e olhei pelo pequeno espaço lateral do portão como fazia antigamente, pra ver se havia algum aluno e tocar a campainha sem atrapalhar a peça que por ventura estivesse sendo tocada. Não havia aluno algum, pessoa alguma, música alguma. Só nas reminiscências, que guardam tudo com uma precisão incrível.

Saí daquela rua tão leve que cheguei a temer ser levada por algum vento matreiro que resolvesse aparecer pra dissipar meus pensamentos. Enquanto isso, meus passos me levavam a um lugar qualquer, alvo da resolução de algumas burocracias relativas à minha Vida Fora Dos Feriados. “Tem que aproveitar o tempo livre”, todos sempre me dizem. E é verdade. Aproveitei pra rever um lugar que não via há tempos, senti a pouca luz do Rei Maior me iluminando antes de se despedir de nós e ir rumo a mais um expediente de energia direcionado a outro lugar. Pra mim, poder presenciar esse momento é um privilégio. Ar condicionado, lâmpada fluorescente e sala fechada me roubam os fins de tarde todos os dias. Quando saio, sempre é noite, e a sensação de que falta um pedaço do meu dia não me abandona de jeito nenhum.

Depois de resolver as pendências, fiz questão de passar por alguns livros. Li sinopses, comparei preços e até tive a pretensão de juntar alguns pra medir o espaço que ocupariam na minha futura estante. E, assim, despedi-me de um raro feriado: medindo os espaços que objetos, emoções e idéias ocuparão na minha vida de hoje em diante. Amanhã o meu mundo volta ao normal, recheado de ônibus lotados, braços cheios de livros, sons de buzinas e a boa e velha pressa, sempre constante.

domingo, 11 de outubro de 2009

Here comes the sun, little darling.

Me sinto querida quando levanto todos os dias e tomo café com o melhor pai do mundo.

Me sinto querida quando atendo àquela ligação que ocorre religiosamente todos os dias e falo sobre a minha rotina com a melhor mãe do mundo.

Me sinto querida quando sei que sempre vou ter aquela amiga-irmã mais incrível do mundo que me conhece ao ponto de adivinhar meus pensamentos e que sabe que ocupa um dos lugares mais lindos da minha vida.

Me sinto querida quando estou na biblioteca do cursinho, imersa em livros, e o tiozinho do corredor entra lá só pra falar comigo, perguntar como eu tô e continuar o seu trabalho.

Me sinto querida quando recebo algum tipo de mensagem de alguém com quem eu não falo há muito tempo, com uma simples pergunta e uma simples afirmação: “ei, você tá bem? saudades, adoro você.”

Me sinto querida quando posso escrever pra outra amiga-irmã, aquela da risada engraçada, dizendo que a amo incondicionalmente, e quando escuto as nossas gravações de tantas tardes simples e incríveis.

Me sinto querida quando estou andando pelo corredor levando um monte de livros e aquele professor de História que tanto me fez crescer e a quem eu tanto admiro me faz um carinho respeitoso ou um aceno de cabeça, me chama pelo nome ou me trata por “filha”.

Me sinto querida ao ver que aquela minha outra amiga-irmã, a que me fez gostar de sushi e tem um dos melhores abraços do mundo, sempre sabe o que dizer pra me fazer ficar melhor em qualquer situação.

Me sinto querida quando o professor de Literatura olha pra mim ao perguntar se alguém escreve poemas e diz: “aquela ali, eu sei que escreve”.

Me sinto querida quando lembro daqueles dias tão distantes em que ganhei meu chocolate preferido na páscoa e virei as madrugadas de carnaval dando prejuízos à tim.

Me sinto querida ao constatar que algumas pessoas que eu nem conheço fora do mundo do orkut têm um apreço tão grande por mim.

Me sinto querida quando releio as minhas cartas, sejam as recebidas ou os rascunhos das enviadas (ou não), e lembro do significado que cada uma daquelas palavras traz consigo.

Me sinto querida quando passo dias e dias pensando em algum presente pra alguma pessoa que me faz sentir querida, quando esse presente é dado e quando eu recebo um grande abraço de agradecimento e tenho a certeza de que acertei na escolha (tanto do presente quanto da pessoa).

Me sinto querida quando vejo algumas palavras de carinho inesperadas que aparecem numa simples página virtual.

Me sinto querida quando o professor de Biologia diz que existem pessoas que marcam a vida da gente e que eu sou uma delas.

Me sinto querida quando os meus amigos elogiam a minha voz, mesmo quando está desafinada.

Me sinto querida quando vejo que o meu gato está esperando ansiosamente pela minha chegada, e quando ele fica ao meu lado o tempo inteiro e olha pra mim como quem diz um simples “gosto de você”.

Me sinto querida quando alguém diz que lembrou de mim ao ouvir uma música de que eu gosto muito.

Me sinto querida quando posso sentir lágrimas de felicidade escorrendo pelo meu rosto ao lembrar de todas essas pequenas manifestações de carinho que muitas vezes são distribuídas sem perceber e que me fazem sentir tão leve quanto um pensamento bom.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Incontinência verbal, palavras atrasadas e querenças de um novo ano.

Pensei em fazer um pedido, era meu aniversário. 
Mas não tinha nada para pedir. As coisas vivas, pensei, as coisas vivas não precisam pedir.
Eu estava ali, onde eu deveria estar. Inteiro. Como uma gota de mercúrio.
(Caio Fernando Abreu)


Resolvi não fazer um texto de aniversário este ano. Na verdade, não chegou a ser uma resolução... Talvez tenha sido mais uma constatação simplória devido à falta de tempo e à economia de palavras que eu mesma tinha me prometido que faria em vários aspectos. Então, que aconteça um texto de pós-aniversário. Aliás... Só um ou dois parágrafos. Texto não, que texto é muito longo e o sono é grande e o dia amanhã é cansativo. (Dia cansativo, redundância, pff.)

Sabe o que eu quero de mim? Quero mais eu. Mais livros, mais espaço, mais músicas novas. Que, no ano que está chegando, eu possa ter uma estante nova pra acomodar meus novos conhecimentos e novos espaços, bem grandes e bem aconchegantes, pra acomodar novas pessoas especiais que estão chegando, seja pra compartilhar um lugar com os que permanecem ou mesmo pra ocupar o lugar dos que quiseram ir. Quero ainda mais força pra não me deixar abater pelos muitos problemas que insistem em querer me derrubar. Quero que mostrem que eu estou totalmente errada quando digo que não tenho coração até que me provem o contrário. Que 2010 traga essa prova contrária. Quero ter saudades da minha rotina deste ano, quero ter saudades dos meus professores tão queridos e das pessoas que, hoje, estão comigo todos os dias e que voarão para outras paisagens. Quero novos livros, quero viajar, quero aprender piano. Quero me enganar positivamente, quero me surpreender e quero ser um pouquinho feliz. Nem precisa ser muito não, é só pra vida ficar um tiquinho mais colorida por si só, sem que eu precise fazer esforços pra ver as cores que nem sempre existem.

No mais, pra não me exceder (acho que já virou um texto... ai menina, se controla), melhor mesmo é deixar uma frase daquele que vai me acompanhar com suas palavras pelo resto desta noite solitária de sexta.

"Colei aquele 'eu amo você' no espelho. É pra mim mesmo."

P.S.: é, também é do Caio.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Da falta de tempo e dos escritos antigos.

Tenho permissão para morrer de amor de vez em quando
E falo, e choro, e canto
Ouço músicas significativas e escrevo poemas
Penso: e agora? e a cor? e a luz?
Morro em mim enquanto tudo foge
A noite que me engole, solitária companheira
Depois que se esvai, leva tudo com ela
Os poemas nunca lidos, rasgados
As músicas, escondidas num canto obscuro de memória
As palavras correm como se nunca tivessem existido
O dia já se apresenta como um acalento prometido

Pronto.
A permissão acabou, é hora de ser forte.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Por não estarem distraídos

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria e peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos!

Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.

(In "Para não esquecer", Lispector)

terça-feira, 29 de setembro de 2009



Pois é, a bruxa tá solta.

terça-feira, 8 de setembro de 2009


Suba os degraus, dê asas à música.

domingo, 6 de setembro de 2009

Cacos.

A noite de sábado seguia, alegre. O céu estrelado era convidativo, mas não conseguia atingi-los completamente. Um jardim de uma praça qualquer nas proximidades do escritório, escolhido para um descanso pós-expediente, parecia o cenário ideal. Bicicletas, livros, violões e bancos de madeira acompanhavam a trajetória daqueles dois. Estavam ali, sentados na grama, negando tudo o que aquele lugar oferecia, incluindo a alegria da noite que avançava. Dois colegas de rotina, de corredores, de cafezinhos. Duas porções de cacos de porcelana, restos de algo bonito em outros tempos, que, mesmo sabendo que a recuperação total nunca seria possível, ansiavam por um método revolucionário qualquer que os fizesse voltar ao estágio anterior às inúmeras quebras.

Ele bebia. Não por questão de inflar seu ego perante outrem, mas por estar acostumado à doce companhia do álcool e por não ver nada de mal em beber um pouco quando se tem vontade. Ela também bebia. Não por influência alheia, mas por puro e simples escapismo. Que há de mal em usar de artifícios para aliviar os problemas terrenos, desde que não se exagere e não se tenha a lucidez completamente perdida? Os dois concordavam: nada.

E tudo. Concordavam em praticamente tudo. E a pequena garrafa de vodka ali, concordando com eles. Sobre as questões existenciais e sobre as tentativas de exercer algum tipo de arte que faça desse mundo algo menos hostil. Naquela noite de sábado, os dois conseguiam brilhar. Segundo alguns, tinham luz própria. Sempre muito admirados pelos amigos. Sempre muito elogiados (mesmo com uma leviandade escancarada) pelos falsos colegas.

Ela já fazia declarações menos calculadas. Chegou-se ao assunto mais delicado: a existência (ou não) do Amor. Ele, por estar mais acostumado aos efeitos que a bebida causava, percebia que ela já estava ligeiramente alterada. Resolveu, por si, parar. Continuou a ouvi-la soltando dores de outros amores e falou daquela outra que o transformara em tal amontoado de escombros. Derramou o que havia no âmago de si sobre aquela velha circunstância, que há muito saíra de seus dias. Ela, de falante compulsiva, passou a ser ouvinte exemplarmente atenta. Talvez fosse hora de um teste.
- Quer saber? Vou ligar pra ela. Preciso falar o que tá preso na minha garganta.
- Cala a boca! Você tá aqui comigo, não vai ligar pra ninguém. Se eu conseguir que uma pessoa esteja em minha companhia sem pensar em mais ninguém pelo menos uma vez na vida, já me dou por satisfeita!
“Ela é intensa mesmo, mas acabou de demonstrar sua fraqueza”, pensou, rindo por dentro. “Talvez seja o álcool, talvez sejam os próprios cacos, despertados de seu silêncio sepulcral.”

O tempo passava arrastado, as estrelas sentiam inveja do brilho daquelas palavras que jorravam pela grama. Alguns existencialismos mais tarde, ela demonstrava sonolência. Acabou dormindo nos braços dele, que só então visualizava com mais clareza os tênues traços que se manifestavam naquela mulher tão independente, tão competente, tão segura de si. Um leão, que arranca as próprias entranhas para livrar-se de um sofrimento qualquer, se preciso for. Mas que ali, imersa nas trevas do que já era madrugada, reluzia como um filhote inofensivo que não pedia nada além de atenção e de carinho.

Levou-a até sua casa. Assegurando-se de que estava tudo bem e deixando claro para a família dela que a sonolência se devia muito mais ao cansaço do que à bebida propriamente dita, saiu. Ganhava distância e perdia luz, conforme os ponteiros do relógio caminhavam.

No dia seguinte, levantou-se no horário habitual e ocultou seu brilho na costumeira máscara de regras sociais. A mesma rotina, os mesmos corredores, os mesmos cafezinhos. Mas ela não estava lá. Provavelmente, dormira mais que o habitual. Com um ar de desinteresse, perguntou à melhor amiga dela se estava tudo em ordem. Sim, estava. Na mais perfeita ordem, só houvera um pequeno atraso. Deveria estar a caminho. Como sempre, eficiente e responsável. Ele perdia-se em indagações sobre a noite anterior, será que ela lembraria de tudo? A mesma amiga, depois de observar longamente a feição dele, tomou coragem e perguntou:
- Tem alguma coisa te preocupando? Tá com um ar pensativo.
- Não, não. Nada.

E sorriu. Assim, de canto de boca, como quem descobre a solução para um quebra-cabeças feito de cacos de porcelana.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Uma pequena conclusão:

As minhas anotações de outrora já não fazem mais sentido.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Das questões da vida.

MOTE

Quem ora soubesse
onde o Amor nasce,
que o semeasse!

VOLTAS (GLOSA)

D'amor e seus danos
me fiz lavrador
semeava amor
e colhia enganos;
não vi, em meus anos
homem que apanhasse
o que semeasse
[...]
Com quanto perdi,
trabalhava em vão;
se semeei grão
grande dor colhi.
Amor nunca vi
que muito durasse,
que não magoasse.


Questão 54: Do ponto de vista da temática desenvolvida no poema, pode-se afirmar que:
a) "Quem semeia ventos, colhe tempestades" é um provérbio que resume a ideia principal do poema de Camões.
b) o fato de que aquilo que se semeia é o oposto daquilo que se colhe está ligado ao desconcerto do mundo.
c) as metáforas agrícolas ligam o poema aos temas bucólicos, que foram retomados pelo Arcadismo mais tarde.
d) a ideia principal é a de que é preciso aproveitar o momento presente já que inevitavelmente colheremos sofrimentos.
e) o tema do poema é que o amor não existe.


Enquanto isso, na conferência do gabarito...

- Como assim?! Não acredito que não é o item E!
- Tu marcou o E? Eu fiquei em dúvida entre o E e o B.
- Pois é, de certa forma eu também pensei no B. Mas é ÓBVIO que é o E, pôxa!
- No gabarito diz B.
- Mas o amor não existe, Lidiane.
- Não confunda sua vida sentimental com a prova, flor.
- Hahaha, preciso me lembrar disso. *suspiro* Hunf. Mas pelo menos a questão eu queria ter ganho.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Ao som de Marisa Monte.

Não sei mais. Já soube, já quis saber, já me importei. O fato de continuar me importando às vezes só me mostra o quanto eu ainda consigo ser ingênua. Logo eu, tão forte, sempre aguentando calada tanta barra... Mas, do nada, vem aquela vontade incontrolável de chorar. Assim, no meio da rua, sem motivo aparente. Basta uma faísca de memória, um fato que passa de relance que te passe algum significado. Aí pronto. A roda gira e gira e gira e você não sabe por que entrou nela e muito menos como sair. A tontura te domina e a única coisa que você deseja é voltar pra sua casa, pra sua rotina medíocre, pra sua vida normalzinha, pras suas atitudes que se encontram Dentro Dos Parâmetros De Segurança.

Aí dá aquela vontade de sair, de reencontrar velhos amigos, de conhecer novos, de dançar ao som daquelas músicas mais significativas. Mas isso não pode, é contra aquela frase tão verdadeira que é dita com tanta freqüência: Tô sem tempo, tô cansada.

Que fazer, então? Alimentar a alma, já que os próprios olhos estão cansados de brilhar enquanto nada verdadeiramente vêem. O fato de ser-ninguém até que te dá certa liberdade pra esquecer o mundo e cuidar de si um pouco. O fato de ser-ninguém faz com que você tenha vontade de ser verdadeiramente Alguém, assim, com letra maiúscula, nem que seja só pra você mesma. Novos livros, o máximo de consumismo que eu me permito ter. E vem Clarice, e vem Caio, e vêm assuntos históricos, e vem Fernando Sabino, e vem Anthony Burgess, e vem Chico Buarque.

Aí dá aquela vontade de parar tudo o que se está fazendo e mergulhar nessas palavras tão densas, que te prendem a um mundo que não é o seu. Perder-se nas palavras alheias é uma ótima maneira de driblar um pouco o vazio que te engole.

Mas não posso, não devo. Se existe um objetivo, é ele que deve nortear o meu caminho e os meus pensamentos. O resto é resto. Ninguém é feliz com resto. Pensando exatamente nisso, a feminilidade exala nos tons e nas cores que te fazem ficar mais leve. E vem a mudança nos cabelos, os cortes, o prender diferente, a fivela no lugar estratégico, a nova arrumação e o novo resultado. E vêm as unhas, vermelhas, de um sangue que insiste em existir e em correr dilacerante. E vem o sorriso, mesmo aqueles meio tristes, de satisfação consigo mesma. A feminilidade, desde que sem exageros, transforma o que era resto em algo passível de admiração.

E, usando de sorrisos como esses, a vida vai passando. O tempo vai passando, as memórias vão-se apagando. Tal qual pétala de flor guardada dentro de livro, que, ao secar, tem o seu perfume arrancado de si e transferido para o papel.

Eis a pergunta: O que me importa?
Não sei mais.
De flor, agora sou apenas pétala. Estou presa no livro da minha própria Vida, deleitando-me enquanto posso com o aroma do meu próprio perfume, sem saber até quando ele vai existir em mim.


segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Domingo.

Acordou cedo, como de costume. Estudou um pouco, tocou violão, viu trechos de documentários. Saiu para almoçar e viu um saco plástico voando a uma altura imensa. Ele parecia dançar no ar. Ficou olhando aquilo em contraste com o azul tão límpido do céu até o dançarino branco sair do seu raio de visão. Andou mais rápido, que o sol escaldava.

Algum tempo depois, se via parada em frente a um cesto enorme cheio de bichos de pelúcia em um hipermercado qualquer. Unicórnios, ursos, macacos, tigres, cavalos. Alguém comentou sobre o olhar de felicidade que algumas pessoas lançam quando vêem bichos de pelúcia. Ficou imaginando o seu próprio olhar naquela situação. Devia estar radiante. Pensou em comprar um daqueles, pensou na companhia que eles fariam durante a noite. Mas pensou também que, para se ter um daqueles, teria que pensar em alguém todas as vezes que visse o cavalo, ou o unicórnio, ou o urso. E não haveria lembrança nenhuma a não ser a daquela tarde de domingo e daquela pessoa falando sobre os olhares. Não, não se podia adqüirir um tão facilmente assim. Chegou à conclusão que essas coisas não foram feitas para serem compradas e, sim, para serem presenteadas.

Uma leve melancolia estabeleceu-se ali. Pegou um tigre por quem se afeiçoara instantaneamente. Não era muito grande nem muito caro. Também não era o mais cobiçado. Era só diferente dos outros. Olhou demoradamente para o tigre e teve de soltá-lo ali, bem em cima da pilha de bichos. Sem despedir-se, saiu pensando não ser feita para tais coisas, para tais presentes, para tais brilhos no olhar.

Chegou em casa acometida de uma saudade avassaladora. Era tanta e tão intensa que quase se podia ver, ouvir e tocar. Era a barragem de um rio, não agüentando a pressão das águas e fragmentando-se, inundando tudo num raio de infindáveis extensões de terra. Tentou voltar a estudar, não conseguiu. Tomou um banho demorado, cuidou dos cabelos, viu um filme.

À noitinha, recebeu uma ligação. Soube que uma pessoa espalhara veneno na rua em que sua mãe morava antigamente, matando oito gatos da vizinhança. Oito famílias foram despedaçadas. Entre os que morreram estava o gato de sua própria mãe, que ela presenteara para que sua genitora não se sentisse sozinha ao levar a nova vida. Aquele gato tão carinhoso, que doava um afeto tão gratuito, mas que teve de ser deixado aos cuidados de uma vizinha quando se deu a mudança para outros ares. Foi-se também o gato de uma criança por quem ela tem um carinho enorme. O coração daquela loirinha de olhos azuis faiscantes, já frágil pela leucemia, foi terrivelmente abalado pela perda de um dos seus únicos companheiros. Depois do acontecido, ela teve crises graves e passou bem perto da Morte. Graças a Deus, passou apenas perto.

Foi levada a pensar em como seria sua vida sem uma das pessoas que mais ama. Sentiu dor, sentiu vazio, lembrou de muitas situações. Mas esse assunto trouxe alívio também, por saber que essa pessoa continuaria ali e ainda compartilharia inúmeros sorrisos com ela.

Decidiu dormir, que estava precisando. Não conseguia. Acometida pela saudade novamente, torcia para que o feriado acabasse logo. A loucura da rotina apaziguava um pouco esse fluxo de sentimentos estranhos. Mas, ao invés do sonho, continuava vindo saudade. Pensou nos bichos de pelúcia e pensou no que a sua vida vinha reservando para ela ao longo dos últimos tempos. Imaginou o sorriso daquelas crianças empobrecidas, ao ganhar um brinquedo usado por outros que não o valorizam tanto. Elas cuidam com tanto zelo e com tanto amor daquilo que, para as outras, não tem o mínimo significado... Ela sabe como é esse sentimento. Mas agora não passava de uma teoria. No momento, se punha no lugar daquelas crianças que não têm sequer os tais brinquedos usados. Ficam felizes apenas em observar o comportamento das que podem espalhar o amor que têm dentro de si. Pediu a Deus que lhe desse sono e que lhe desse força para continuar. Ambos os pedidos foram atendidos. Apesar das poucas horas de sono, levantou-se no horário habitual, com uma vontade incorrigível de estar linda e de rir até as bochechas doerem.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Os dragões não conhecem o paraíso.

Tenho um dragão que mora comigo.

Não, isso não é verdade.

Não tenho nenhum dragão. E, ainda que tivesse, ele não moraria comigo nem com ninguém. Para os dragões, nada mais inconcebível que dividir seu espaço - seja com outro dragão, seja com uma pessoa banal feito eu. Ou invulgar, como imagino que os outros devam ser. Eles são solitários, os dragões. Quase tão solitários quanto eu me encontrei, sozinho neste apartamento, depois de sua partida. Digo quase porque, durante aquele tempo em que ele esteve comigo, alimentei a ilusão de que meu isolamento para sempre tinha acabado. E digo ilusão porque, outro dia, numa dessas manhãs áridas da ausência dele, felizmente cada vez menos freqüentes (a aridez, não a ausência), pensei assim: Os homens precisam da ilusão do amor da mesma forma que precisam da ilusão de Deus. Da ilusão do amor para não afundarem no poço horrível da solidão absoluta; da ilusão de Deus, para não se perderem no caos da desordem sem nexo.

Isso me pareceu gradiloqüente e sábio como uma idéia que não fosse minha, tão estúpidos costumam ser meus pensamentos. E tomei nota rapidamente no guardanapo do bar onde estava. Escrevi também mais alguma coisa que ficou manchada pelo café. Até hoje não consigo decifrá-la. Ou tenho medo da minha - felizmente indecifrável - lucidez daquele dia.

Estou me confundindo, estou me dispersando.

O guardanapo, a frase, a mancha, o medo - isso deve vir mais tarde. Todas essas coisas de que falo agora - as particularidades dos dragões, a banalidade das pessoas como eu -, só descobri depois. Aos poucos, na ausência dele, enquanto tentava compreendê-lo. Cada vez menos para que minha compreensão fosse sedutora, e cada vez mais para que essa compreensão ajudasse a mim mesmo a. Não sei dizer. Quando penso desse jeito, enumero proposições como: a ser uma pessoa menos banal, a ser mais forte, mais seguro, mais sereno, mais feliz, a navegar com um mínimo de dor. Essas coisas todas que decidimos fazer ou nos tornar quando algo que supúnhamos grande acaba, e não há nada a ser feito a não ser continuar vivendo.

Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim: que seja doce. Quando há sol, e esse sol bate na minha cara amassada do sono ou da insônia, contemplando as partículas de poeira soltas no ar, feito um pequeno universo, repito sete vezes para dar sorte: que seja doce que seja doce que seja doce e assim por diante. Mas, se alguém me perguntasse o que deverá ser doce, talvez não saiba responder. Tudo é tão vago como se não fosse nada.

Ninguém perguntará coisa alguma, penso. Depois continuo a contar para mim mesmo, como se fosse ao mesmo tempo o velho que conta e a criança que escuta, sentado no colo de mim. Foi essa a imagem que me veio hoje pela manhã quando, ao abrir a janela, decidi que não suportaria passar mais um dia sem contar esta história de dragões. Consegui evitá-la até o meio da tarde. Dói, um pouco. Não mais uma ferida recente, apenas um pequeno espinho de rosa, coisa assim, que você tenta arrancar da palma da mão com a ponta de uma agulha. Mas, se você não consegue extirpá-lo, o pequeno espinho pode deixar de ser uma pequena dor para se transformar numa grande chaga.

Assim, agora, estou aqui. Ponta fina de agulha equilibrada entre os dedos da mão direita, pairando sobre a palma aberta da mão esquerda. Algumas anotações em volta, tomadas há muito tempo, o guardanapo de papel do bar, com aquelas palavras sábias que não parecem minhas e aquelas outras, manchadas, que não consigo ou não quero ou finjo não poder decifrar.

Ainda não comecei.

Queria tanto saber dizer Era uma vez. Ainda não consigo.

Mas preciso começar de alguma forma. E esta, enfim, sem começar propriamente, assim confuso, disperso, monocórdio, me parece um jeito tão bom ou mau quanto qualquer outro de começar uma história. Principalmente se for uma história de dragões.

Gosto de dizer tenho um dragão que mora comigo, embora não seja verdade. Como eu dizia, um dragão jamais pertence a, nem mora com alguém. Seja uma pessoa banal igual a mim, seja unicórnio, salamandra, harpia, elfo, hamadríade, sereia ou ogro. Duvido que um dragão conviva melhor com esses seres mitológicos, mais semelhantes à natureza dele, do que com um ser humano. Não que sejam insociáveis. Pelo contrário, às vezes um dragão sabe ser gentil e submisso como uma gueixa. Apenas, eles não dividem seus hábitos.

Ninguém é capaz de compreender um dragão. Eles jamais revelam o que sentem. Quem poderia compreender, por exemplo, que logo ao despertar (e isso pode acontecer em qualquer horário, às três ou às onze da noite, já que o dia e a noite deles acontecem para dentro, mas é mais previsível entre sete e nove da manhã, pois essa é a hora dos dragões) sempre batem a cauda três vezes, como se tivessem furiosos, soltando fogo pelas ventas e carbonizando qualquer coisa próxima num raio de mais de cinco metros? Hoje, pondero: talvez seja essa a sua maneira desajeitada de dizer, como costumo dizer agora, ao despertar - que seja doce.

Mas no tempo em que vivia comigo, eu tentava - digamos - adaptá-lo às circunstâncias. Dizia por favor, tente compreender, querido, os vizinhos banais do andar de baixo já reclamaram da sua cauda batendo no chão ontem às quatro da madrugada. O bebê acordou, disseram, não deixou ninguém mais dormir. Além disso, quando você desperta na sala, as plantas ficam todas queimadas pelo seu fogo. E, quanto você desperta no quarto, aquela pilha de livros vira cinzas na minha cabeceira.

Ele não prometia corrigir-se. E eu sei muito bem como tudo isso parece ridículo. Um dragão nunca acha que está errado. Na verdade, jamais está. Tudo que faz, e que pode parecer perigoso, excêntrico ou no mínimo mal-educado para um humano igual a mim, é apenas parte dessa estranha natureza dos dragões. Na manhã, na tarde ou na noite seguintes, quanto ele despertasse outra vez, novamente os vizinhos reclamariam e as prímulas amarelas e as begônias roxas e verdes, e Kafka, Salinger, Pessoa, Clarice e Borges a cada dia ficariam mais esturricados. Até que, naquele apartamento, restássemos eu e ele entre as cinzas. Cinzas são como sedas para um dragão, nunca para um humano, porque a nós lembra destruição e morte, não prazer. Eles trafegam impunes, deliciados, no limiar entre essa zona oculta e a mais mundana. O que não podemos compreender, ou pelo menos aceitar.

Além de tudo: eu não o via. Os dragões são invisíveis, você sabe. Sabe? Eu não sabia. Isso é tão lento, tão delicado de contar - você ainda tem paciência? Certo, muito lógico você querer saber como, afinal, eu tinha tanta certeza da existência dele, se afirmo que não o via. Caso você dissesse isso, ele riria. Se, como os homens e as hienas, os dragões tivessem o dom ambíguo do riso. Você o acharia talvez irônico, mas ele estaria impassível quanto perguntasse assim: mas então você só acredita naquilo que vê? Se você dissesse sim, ele falaria em unicórnios, salamandras, harpias, hamadríades, sereias e ogros. Talvez em fadas também, orixás quem sabe? Ou átomos, buracos negros, anãs brancas, quasars e protozoários. E diria, com aquele ar levemente pedante: "Quem só acredita no visível tem um mundo muito pequeno. Os dragões não cabem nesses pequenos mundos de paredes invioláveis para o que não é visível".

Ele gostava tanto dessas palavras que começam com in - invisível, inviolável, incompreensível -, que querem dizer o contrário do que deveriam. Ele próprio era inteiro o oposto do que deveria ser. A tal ponto que, quando o percebia intratável, para usar uma palavra que ele gostaria, suspeitava-o ao contrário: molhado de carinho. Pensava às vezes em tratá-lo dessa forma, pelo avesso, para que fôssemos mais felizes juntos. Nunca me atrevi. E, agora que se foi, é tarde demais para tentar requintadas harmonias.

Ele cheirava a hortelã e alecrim. Eu acreditava na sua existência por esse cheiro verde de ervas esmagadas dentro das duas palmas das mãos. Havia outros sinais, outros augúrios. Mas quero me deter um pouco nestes, nos cheiros, antes de continuar. Não acredite se alguém, mesmo alguém que não tenha um mundo pequeno, disser que os dragões cheiram a cavalos depois de uma corrida, ou a cachorros das ruas depois da chuva. A quartos fechados, mofo, frutas podres, peixe morto e maresia - nunca foi esse o cheiro dos dragões.

A hortelã e alecrim, eles cheiram. Quando chegava, o apartamento inteiro ficava impregnado desse perfume. Até os vizinhos, aqueles do andar de baixo, perguntavam se eu andava usando incenso ou defumação. Bem, a mulher perguntava. Ela tinha uns olhos azuis inocentes. O marido não dizia nada, sequer me cumprimentava. Acho que pensava que era uma dessas ervas de índio que as pessoas costumam fumar quando moram em apartamentos, ouvindo música muito alto. A mulher dizia que o bebê dormia melhor quando esse cheiro começava a descer pelas escadas, mais forte de tardezinha, e que o bebê sorria, parecendo sonhar. Sem dizer nada, eu sabia que o bebê sonhava com dragões, unicórnios ou salamandras, esse era um jeito do seu mundo ir-se tornando aos poucos mais largo. Mas os bebês costumam esquecer dessas coisas quanto deixam de ser bebês, embora possuam a estranha facilidade de ver dragões - coisa que só os mundos muito largos conseguem.

Eu aprendi o jeito de perceber quando o dragão estava a meu lado. Certa vez, descemos juntos pelo elevador com aquela mulher de olhos-azuis-inocentes e seu bebê, que também tinha olhos-azuis-inocentes. O bebê olhou o tempo todo para onde estava o dragão. Os dragões param sempre do lado esquerdo das pessoas, para conversar direto com o coração. O ar a meu lado ficou leve, de uma coloração vagamente púrpura. Sinal que ele estava feliz. Ele, o dragão, e também o bebê, e eu, e a mulher, e a japonesa que subiu no sexto andar, e um rapaz de barba no terceiro. Sorríamos suaves, meio tolos, descendo juntos pelo elevador numa tarde que lembro de abril - esse é o mês dos dragões - dentro daquele clima de eternidade fluida que apenas os dragões, mas só às vezes, sabem transmitir.

Por situações como essa, eu o amava. E o amo ainda, quem sabe mesmo agora, quem sabe mesmo sem saber direito o significado exato dessa palavra seca - amor. Se não o tempo todo, pelo menos quanto lembro de momentos assim. Infelizmente, raros. A aspereza e avesso parecem ser mais constantes na natureza dos dragões do que a leveza e o direito. Mas queria falar de antes do cheiro. Havia outros sinais, já disse. Vagos, todos eles.

Nos dias que antecediam a sua chegada, eu acordava no meio da noite, o coração disparado. As palmas das mãos suavam frio. Sem saber porque, nas manhãs seguintes, compulsivamente eu começava a comprar flores, limpar a casa, ir ao supermercado e à feira para encher o apartamento de rosas e palmas e morangos daqueles bem gordos e cachos de uvas reluzentes e berinjelas luzidias (os dragões, descobri depois, adoram contemplar berinjelas) que eu mesmo não conseguia comer. Arrumava em pratos, pelos cantos, com flores e velas e fitas, para que os espaços ficassem mais bonitos.

Como uma fome, me dava. Mas uma fome de ver, não de comer. Sentava na sala toda arrumada, tapete escovado, cortinas lavadas, cestas de frutas, vasos de flores - acendia um cigarro e ficava mastigando com os olhos a beleza das coisas limpas, ordenadas, sem conseguir comer nada com a boca, faminto de ver. À medida que a casa ficava mais bonita, eu me tornava cada vez mais feio, mais magro, olheiras fundas, faces encovadas. Porque não conseguia dormir nem comer, à espera dele. Agora, agora vou ser feliz, pensava o tempo todo numa certeza histérica. Até que aquele cheiro de alecrim, de hortelã, começasse a ficar mais forte, para então, um dia, escorregar que nem brisa por baixo da porta e se instalar devagarzinho no corredor de entrada, no sofá da sala, no banheiro, na minha cama. Ele tinha chegado.

Esses ritmos, só descobri aos poucos. Mesmo o cheiro de hortelã e alecrim, descobri que era exatamente esse quando encontrei certas ervas numa barraca de feira. Meu coração disparou, imaginei que ele estivesse por perto. Fui seguindo o cheiro, até me curvar sobre o tabuleiro para perceber: eram dois maços verdes, a hortelã de folhinhas miúdas, o alecrim de hastes compridas com folhas que pareciam espinhos, mas não feriam. Pergunte o nome, o homem disse, eu não esqueci. Por pura vertigem, nos dias seguintes repetia quanto sentia saudade: alecrim hortelã alecrim hortelã alecrim hortelã alecrim.

Antes, antes ainda, o pressentimento de sua visita trazia unicamente ansiedade, taquicardias, aflição, unhas roídas. Não era bom. Eu não conseguia trabalhar, ir ao cinema, ler ou afundar em qualquer outra dessas ocupações banais que as pessoas como eu têm quando vivem. Só conseguia pensar em coisas bonitas para a casa, e em ficar bonito eu mesmo para encontrá-lo. A ansiedade era tanta que eu enfeiava, à medida que os dias passavam. E, quando ele enfim chegava, eu nunca tinha estado tão feio. Os dragões não perdoam a feiúra. Menos ainda a daqueles que honram com sua rara visita.

Depois que ele vinha, o bonito da casa contrastando com o feio do meu corpo, tudo aos poucos começava a desabar. Feito dor, não alegria. Agora agora agora vou ser feliz, eu repetia: agora agora agora. E forçava os olhos pelos cantos de prata esverdeadas, luz fugidia, a ponta em seta de sua cauda pela fresta de alguma porta ou fumaça de suas narinas, sempre mau, e a fumaça, negra. Naqueles dias, enlouquecia cada vez mais, querendo agora já urgente ser feliz. Percebendo minha ânsia, ele tornava-se cada vez mais remoto. Ausentava-se, retirava-se, fingia partir. Rarefazia seu cheiro de ervas até que não passasse de uma suspeita verde no ar. Eu respirava mais fundo, perdia o fôlego no esforço de percebê-lo, dia após dia, enquanto flores e frutas apodreciam nos vasos, nos cestos, nos cantos. Aquelas mosquinhas negras miúdas esvoaçavam em volta delas, agourentas.

Tudo apodrecia mais e mais, sem que eu percebesse, doído do impossível que era tê-lo. Atento somente à minha dor, que apodrecia também, cheirava mal. Então algum dos vizinhos batia à porta para saber se eu tinha morrido e sim, eu queria dizer, estou apodrecendo lentamente, cheirando mal como as pessoas banais ou não cheiram quando morrem, à espera de uma felicidade que não chega nunca. Ele não compreenderia. Eu não compreendia, naqueles dias - você compreende?

Os dragões, já disse, não suportam a feiúra. Ele partia quando aquele cheiro de frutas e flores e, pior que tudo, de emoções apodrecidas tornava-se insuportável. Igual e confundido ao cheiro da minha felicidade que, desta e mais uma vez, ele não trouxera. Dormindo ou acordado, eu recebia sua partida como um súbito soco no peito. Então olhava para cima, para os lados, à procura de Deus ou qualquer coisa assim - hamadríades, arcanjos, nuvens radioativas, demônios que fossem. Nunca os via. Nunca via nada além das paredes de repente tão vazias sem ele.

Só quem já teve um dragão em casa pode saber como essa casa parece deserta depois que ele parte. Dunas, geleiras, estepes. Nunca mais reflexos esverdeados pelos cantos, nem perfume de ervas pelo ar, nunca mais fumaças coloridas ou formas como serpentes espreitando pelas frestas de portas entreabertas. Mais triste: nunca mais nenhuma vontade de ser feliz dentro da gente, mesmo que essa felicidade nos deixe com o coração disparado, mãos úmidas, olhos brilhantes e aquela fome incapaz de engolir qualquer coisa. A não ser o belo, que é de ver, não de mastigar, e por isso mesmo também uma forma de desconforto. No turvo seco de uma casa esvaziada da presença de um dragão, mesmo voltando a comer e a dormir normalmente, como fazem as pessoas banais, você não sabe mais se não seria preferível aquele pântano de antes, cheio de possibilidades - que não aconteciam, mas que importa? - a esta secura de agora. Quando tudo, sem ele, é nada.

Hoje, acho que sei. Um dragão vem e parte para que seu mundo cresça? Pergunto - porque não estou certo - coisas talvez um tanto primárias, como: um dragão vem e parte para que você aprenda a dor de não tê-lo, depois de ter alimentado a ilusão de possuí-lo? E para, quem sabe, que os humanos aprendam a forma de retê-lo, se ele um dia voltar?

Não, não é assim. Isso não é verdade.

Os dragões não permanecem. Os dragões são apenas a anunciação de si próprios. Eles se ensaiam eternamente, jamais estréiam. As cortinas não chegam a se abrir para que entrem em cena. Eles se esboçam e se esfumam no ar, não se definem. O aplauso seria insuportável para eles: a confirmação de que sua inadequação é compreendida e aceita e admirada, e portanto - pelo avesso igual ao direito - incompreendida, rejeitada, desprezada. Os dragões não querem ser aceitos. Eles fogem do paraíso, esse paraíso que nós, as pessoas banais, inventamos - como eu inventava uma beleza de artifícios para esperá-lo e prendê-lo para sempre junto a mim. Os dragões não conhecem o paraíso, onde tudo acontece perfeito e nada dói nem cintila ou ofega, numa eterna monotonia de pacífica falsidade. Seu paraíso é o conflito, nunca a harmonia.

Quando volto a pensar nele, nestas noites em que dei para me debruçar à janela procurando luzes móveis pelo céu, gosto de imaginá-lo voando com suas grandes asas douradas, solto no espaço, em direção a todos os lugares que é lugar nenhum. Essa é sua natureza mais sutil, avessa às prisões paradisíacas que idiotamente eu preparava com armadilhas de flores e frutas e fitas, quando ele vinha. Paraísos artificiais que apodreciam aos poucos, paraíso de eu mesmo - tão banal e sedento - a tolerar todas as suas extravagâncias, o que devia lhe soar ridículo, patético e mesquinho. Agora apenas deslizo, sem excessivas aflições de ser feliz.

As manhãs são boas para acordar dentro delas, beber café, espiar o tempo. Os objetos são bons de olhar para eles, sem muitos sustos, porque são o que são e também nos olham, com olhos que nada pensam. Desde que o mandei embora, para que eu pudesse enfim aprender a grande desilusão do paraíso, é assim que sinto: quase sem sentir.

Resta esta história que conto, você ainda está me ouvindo? Anotações soltas sobre a mesa, cinzeiros cheios, copos vazios e este guardanapo de papel onde anotei frases aparentemente sábias sobre o amor e Deus, com uma frase que tenho medo de decifrar e talvez, afinal, diga apenas qualquer coisa simples feito: nada disso existe.

Nada, nada disso existe.

Então quase vomito e choro e sangro quando penso assim. Mas respiro fundo, esfrego as palmas das mãos, gero energia em mim. Para manter-me vivo, saio à procura de ilusões como o cheiro das ervas ou reflexos esverdeados de escamas pelo apartamento e, ao encontrá-los, mesmo apenas na mente, tornar-me então outra vez capaz de afirmar, como num vício inofensivo: tenho um dragão que mora comigo. E, desse jeito, começar uma nova história que, desta vez sim, seria totalmente verdadeira, mesmo sendo completamente mentira. Fico cansado do amor que sinto, e num enorme esforço que aos poucos se transforma numa espécie de modesta alegria, tarde da noite, sozinho neste apartamento no meio de uma cidade escassa de dragões, repito e repito este meu confuso aprendizado para a criança-eu-mesmo sentada aflita e com frio nos joelhos do sereno velho-eu-mesmo:

- Dorme, só existe o sonho. Dorme, meu filho. Que seja doce.

Não, isso também não é verdade.

(Caio Fernando Abreu)


P.S.: Já que o meu tempo de livre e prazerosa escrita foi totalmente substituído pelas redações formalizadas e pelas fórmulas matemáticas, deixo-vos em boa companhia. Meu conto preferido de um dos meus escritores preferidos. Tenho cá comigo as minhas interpretações sobre quem ou o que é o dragão do conto, mas o tempo tem me roubado de mim. Sendo assim, melhor que cada um tire as próprias conclusões e interprete à sua maneira, uma vez que a beleza do conto se faz exatamente nos distintos pontos de vista.
Beijos e queijos de uma pseudo-escritora sem vida e sem coração. Não sei quando postarei escritos meus novamente. Pode ser amanhã, pode ser ano que vem. Carpe Diem.