quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Das lições que encerram fábulas.

Sabe aqueles dias em que reviravoltas vão e vêm deixando como saldo uma moral da história? Ontem foi um desses dias. Um dia-fábula, pra ser mais precisa.

Vestibular chegando. Tensão no ar em tudo ao meu redor, exceto em mim. Não sei se pela pseudo-segurança que os bons resultados nos simulados me deram ou se por um pressentimento quase mediúnico de que coisas boas estão a caminho, o fato é que a tranqüilidade ainda se estabelece aqui dentro. Ainda. A prova acontecerá em alguns dias, daqui pra lá eu não garanto. Enquanto isso, vou torcendo pra que alguns amigos façam prova no mesmo local que eu. No mais, o que tiver de ser, será.

Uma das minhas atitudes adotadas recentemente tem sido a de não esperar mais nada das pessoas. Nem coisas boas, nem coisas ruins. Deixar a “mente em branco” pro que quer que aconteça. No decorrer do ano, algumas pessoas me surpreenderam absurdamente. Você leva a sua rotina normalmente, tenta encarar tudo da melhor maneira, reclama o mínimo possível dos ônibus lotados, da matemática irritante, da física insuportável, do cansaço, da quantidade astronômica de informações, da imensa decepção que algumas atitudes proporcionaram, dos problemas dos amigos, enfim.

Aí vem uma pessoa pra quem você nunca dedicou a mínima atenção e te fala uma coisa boa que fica ali. Aí vem um colega de sala, com quem você mal conversa, e diz que se espelha nos livros que você lê. Aí vem um professor de biologia, de cuja aula você nem gosta tanto assim, e diz que acredita em você. Que daqui a vinte anos ainda vai lembrar de você (isso o futuro dirá e eu vou fazer questão de constatar), que acredita no seu esforço e no seu bom caráter, que você é uma das pessoas com quem ele nunca falou mas que é alvo de uma admiração enorme pelo seu jeito de ser e pela sua organização, e mais um monte de outras coisas que foram ditas exatamente numa época em que você tanto precisava ouvir palavras boas, que não foram ditas pelos que você mais esperava, mas que te fizeram crer que o bem vem de lugares inesperados. Aí vem aquele novo amigo e divide uma barra do seu chocolate preferido enquanto espera, cansado, pelo início do aprofundamento de História. Aí vem a lembrança daquele saudoso rapaz tão querido que ficava do seu lado durante todas as aulas, que só andava com você se fosse de mãos dadas e que costumava ter um dos abraços mais confortadores daqueles dias. Lembrei que vai fazer um ano que não nos vemos. Onde estaria ele agora?

Perdemos as pessoas com uma facilidade inacreditável. Como diria o Caio, meu “psicólogo” que eu sempre gosto de citar: “Uma pessoa, quando tá longe, vive coisas que não te comunica, e tu, aqui, vive coisas que não a comunica. Então, vocês vão se distanciando e, quando vocês se encontrarem, vocês vão se falar assim: oi, tudo bom e tal, como é que vão as coisas? E aí ele vai te falar, por cima, de tudo que ele viveu, e, não sei, vai ser uma proximidade distante. Não adianta, no momento em que as pessoas se afastam, elas estão irremediavelmente perdidas uma da outra. Lembrando daquela companhia que me fazia tão bem e me dando conta do vazio que se estabeleceu com a sua ausência, vem a vontade de retribuir as gentilezas de agora. Seja com sorrisos no corredor, com mais chocolates, com dicas de outros livros ou com pedidos atendidos. No caso especial do professor de biologia, que passou o ano inteiro implorando pelas anotações que eu sempre faço no caderno, ele teve o seu pedido atendido. Separei tudo, organizei numa pasta e entreguei ontem. Recebi, como retorno, um sorriso que parecia não acreditar no que acontecia - como quem constata que o bem realmente vem de lugares inesperados -, planos de utilização do meu presente nas aulas do ano que vem, um agradecimento e a pasta que eu tinha comprado de volta. “As folhas já são mais que suficientes”.

A sensação que fica depois desses acontecimentos é extremamente boa. Por mais que isso se perca no turbilhão da memória com o passar do tempo, pequenas atitudes assim nos fazem pensar um pouco mais no sentido dos nossos atos. A questão do caderno passa longe de qualquer pose de “aluna exemplar”, porque eu estou distante disso. É mais uma confirmação de que a gente recebe aquilo que a gente dá, e, se pudemos fazer algo que vá deixar uma outra pessoa feliz, por que não fazê-lo? Por que fugir e ter medo ou vergonha ou receio de outras interpretações? Seres humanos não mordem e o que vale sempre é a sua própria consciência. Vim pensando nessas circunstâncias no caminho de casa, sobre o quão ridículos alguns atos podem se tornar e sobre a facilidade com que situações desagradáveis poderiam ser evitadas se fossem tratadas com um mínimo de naturalidade, sem parecer nenhum teatro fajuto de quinta categoria.

Em meio aos meus habituais mergulhos no interior de mim, como quem não cansa de afogar-se em mares intermináveis, recebo uma ligação. Uma amiga que eu não vejo há mais de um ano e que conheci no meio artístico pertencente aos amigos da minha mãe deu-me o melhor presente que ganhei durante todo o ano: uma contribuição significativa pra minha biblioteca, 25 livros. 5 Clarices, que já valeram quaisquer outros títulos que as acompanhasse. Neruda, Freud, Machado, Drummond. Junto a eles, um porta-jóias e muitos chocolates. A parte mais simbólica de todo o presente, os chocolates, fez-me pensar que eu sempre fiz isso pra muita gente, mas nunca tinha recebido algo do tipo – tão simples, mas tão bonito – de ninguém.

Acho que ganhei o ano. É, talvez. A lição que fica de toda essa fábula é a que eu vou continuar praticando: Apenas flutue, tendo como base a leveza da sua consciência, sem nada esperar. Na maioria das vezes, quem muito promete, nada cumpre. Esteja pronta pra se surpreender positivamente com algumas pessoas que sequer faziam parte dos seus pensamentos mais banais. Faça o possível para provocar sorrisos em quem merece e se policie para não criar esperanças com relação a nada nem a ninguém. Quem faz uma vez, não necessariamente faz duas. Mas quem faz dez, com certeza faz onze. O que nos resta depois do fim, depois de tudo, são as lembranças. Melhor agarrar-se a elas e desprender-se das ilusões, profundas e enganosas feito o mar.

Um comentário:

- Tetê - disse...

Entre tantos dias de chuva, um dia de sol dá sentido ao resto do ano. Me dá um livro? hauhauha beeeeijo, querida! Saudade sempre!