quinta-feira, 30 de julho de 2009

Sobre a leitura que não envolve palavras.

Eu sou uma leitora. No sentido mais abrangente da palavra. Aliás, não é só ela – a palavra – que leio. Leio também sensações, algumas verdades escondidas, boas intenções encobertas pela falta de atitude, leviandade oculta em palavras que parecem ser bonitas. Costumo tentar ler o invisível, já que “quem só acredita no visível tem um mundo muito pequeno”. Nem sempre logro êxito e a conseqüência dessas leituras é uma confusão quase constante de sentimentos. E uma dor de cabeça ocasionada não pela leitura em si, mas pelo cansaço. Quando se pensa demais e se está cansada demais, dormir faz-se necessário. Quando não há essa possibilidade, a dor de cabeça vem. Quando há essa possibilidade, a dor de cabeça vem do mesmo jeito. Punição pelos pensamentos? Talvez.

Depois do son(h)o, a dor. Às vezes de cabeça, às vezes de coração. Durmo como uma válvula de escape. Já sonhei com tantas pessoas, com tantas situações, com tantos diálogos. Até com abraços já sonhei. E já pesadelei também, mas desses eu não gosto nem de falar. Sobre as pessoas com que sonho, algumas vêm de anos longínguos e outras de um passado recente (Mas que ainda assim é passado e precisa ser passado. Passado a limpo, passado superado, um pretérito que sequer chegou perto de ser perfeito). Essas pessoas, distantes ou próximas, não sabem que sonho com elas. Melhor não saber, não gosto de explicitar minhas leituras para os objetivos das mesmas. Há mágoa de uns, uma vontade enorme de que tudo dê certo para outros, indiferença para alguns mais, reciprocidade de tudo o que vier de outros ainda. Tudo isso o tempo cura, modifica ou acentua. Vai depender das situações, das leituras e das “páginas” que me forem permitidas ler. Acho que tenho bons olhos, sabe. A questão não é se ensoberbecer, mas fazer um levantamento de mim mesma diante de várias situações similares, opostas, dolorosas ou alegres. Apesar de tudo, acho que meus olhos sabem ser sábios quando precisam e quando devem ser.

Adoro ler desconhecidos. É um passatempo que só ocorre quando encontro alguém que valha a pena tentar ler. Estando acompanhada por amigos ou família em lugares públicos, executo meus processos sem me fazer notar por ninguém além de mim mesma. Curiosamente, as pessoas que valem a pena parecem, de algum modo, escolher ficar perto de onde eu estou. Isso sempre acontece e eu nunca entendi exatamente o porquê. Eu também escolho ficar perto delas. Talvez por ser tão difícil encontrar alguém diferente em meio a tanta futilidade e a tanto lixo. É um apego mútuo a cada momento, sabendo que cada sensação decodificada pode ser a última.

Gosto especialmente dos solitários. Recentemente, vi uma pessoa assim, decifrável, no shopping. Sem roupa de grife, o máximo de barba que sua relativamente pouca idade permitia, um livro, óculos. Por trás dos últimos, olhos castanhos faiscantes. Quem precisa de olhos claros quando se tem um brilho daqueles? Estava na praça de alimentação, sentado numa mesa, concentrado em algo que eu não pude assimilar o que era. Olhar perdido. Exatamente como eu adivinho ser o meu, quando meus olhos teimam em visualizar o que está dentro de mim. Foi ao cinema sozinho. Sei disso porque coincidentemente também fui e escolhemos o mesmo filme. Na ocasião, estava acompanhada pelo meu pai, meu cavaleiro solitário mais nobre. Lembrei de tantos filmes que vi sozinha no cinema. Alguns bons, outros nem tanto. O engraçado é que as outras pessoas costumam pensar que é péssimo estar sozinha numa sala de cinema. Não é tão ruim assim, acreditem. Dependendo do filme, é super agradável. Mas não esqueça de só entrar na sala em um horário bem próximo do início da sessão ou, se preferir, leve um fone de ouvido.

Com ou sem focos de leitura, eu sempre prossigo. Nunca soube qual é meu objetivo; na verdade, creio que este seja inexistente. A causa é, talvez, encontrar nos outros algum tipo de característica semelhante ao que as circunstâncias e a consciência me permitiram ter ao longo dos tombos que levei. Eu tento achar algum tipo de felicidade plena em mim mesma, sabe. Tento de verdade. Não encontrando em mim, busco-a em outros alguéns, ilustres desconhecidos que eu, provavelmente, só verei uma vez na vida. Quando tento ser feliz por mim mesma, levando em consideração apenas o que verdadeiramente tenho, vejo-me numa encruzilhada com inúmeros caminhos, tendo a certeza de que nenhum deles leva a lugar algum.

sábado, 25 de julho de 2009

Sobre a banda do coração.

09 de junho de 2007.

Nessa data, familiar para muitos dos meus amigos, realizou-se aquele que seria o último show do Los Hermanos antes de seu tão comentado “recesso por tempo indeterminado”. Só hoje, mais de dois anos depois, pude ver o dvd resultante daquelas noites e ter a comprovação de que eles marcaram a vida de milhares de pessoas, não só a minha.

Mais de dois anos. Tanta coisa me aconteceu de dois anos pra cá! Naquela época, conturbadíssima pra mim, eu lembro que a notícia do recesso me trouxe lágrimas que saíram assim, naturais. Como se não pudessem ser evitadas, como se fossem absolutamente necessárias. Naquela época, eu ainda estava aprendendo o pouco de violão clássico que sei e foi exatamente a época em que perdi uma tia. Naquela época, eu já tinha o meu vício por fones de ouvido. Gostava de acordar cedíssimo, me arrumar com calma, pegar aquele ônibus e me desligar do mundo através dos fones, que me traziam as duas vozes que mais conseguiam (e conseguem até hoje) me emocionar. Gostava de ouvir antes do colégio, porque me trazia certo alívio para ir a aquele lugar que eu realmente não tolerava. Minhas manhãs preferidas eram as chuvosas, que traziam consigo um toque a mais de solidão e de escuridão, com aquela preguiça do sol de sair de trás das nuvens. O som da chuva misturava-se aos versos das canções e as lágrimas de emoção que eram sempre derramadas pelo público e por mim estavam presentes em forma de gotas caídas do céu.

Nem lembro com exatidão quanto tempo faz que escuto Los Hermanos. Só sei que hoje, muitos anos depois, eu não consigo enjoar das músicas. E, depois de ver esse dvd, ainda tenho os olhos inchados de chorar e a pele cansada de arrepiar-se nos meus versos mais bonitos. Sim, meus. Cada pessoa que se identifica (não gosto da palavra fã) acaba querendo tomar pra si as canções. O que é absolutamente plausível, uma vez que, se os nossos sentimentos são cantados pela voz de outra pessoa, podemos atribui-los a nós mesmos tranqüilamente.

Eles me marcaram muito. Quantas madrugadas em claro eu passei, ouvindo aquelas palavras que pareciam se adequar perfeitamente ao que meu coração queria externar? Quantas lágrimas eu derramei, felizes ou tristes, nos shows e na solidão do meu quarto escuro e sonoro? Quantos amigos eu conquistei, por ter os mesmos gostos? Quantos abraços eu dei e recebi ao som daquelas músicas? Quantas pessoas eu fiz apaixonarem-se pelas canções, ganhando companheiros de shows e de análises de letras? Incontáveis. Incontáveis alegrias, incontáveis arrepios, incontáveis situações regidas pelo som deles.

Naquela noite do show, lembro de não ter dormido. Lembro de ter recebido mensagens de amigos que se encontravam lá, lembrando de mim. Mensagens dizendo qual música estava tocando naquele momento, sobre a aura do lugar, sobre a emoção das pessoas. Lembro de ter recebido ligações. É, eu estava lá. Através de um celular, ouvi Último Romance. Lembro de ter que segurar o choro, porque os meus emocionados suspiros atrapalhariam a audição daquele momento absolutamente único. Ali. Ao vivo. No tal show com clima de despedida, que todos torciam para que passasse logo, eu me fiz presente. Mesmo há quilômetros de distância, eu compartilhei as lágrimas emocionadas de milhares de pessoas.

Se eles vão continuar? Não sei. Pra falar a verdade, acho que nem eles sabem. Se tudo acabou de verdade... O que me entristece mais é o fato de saber que não haverá um futuro marcado pelos shows. É saber que eu não vou poder ouvi-los ao vivo com meus futuros amigos de faculdade, é saber que a única lembrança que eu vou ter de Último Romance é a de ter que me abraçar, tendo como única companhia as minhas lágrimas que cismam em escapar durante essa música. Como se quisessem me fazer companhia mesmo. Saindo de dentro de mim, talvez do meu próprio coração, as lágrimas se manifestam como se quisessem dizer que estão lá, comigo. De pensamentos longínguos e de companhias inexistentes foram feitos os shows que eu fui. Se não acabou... Significa que ainda há esperanças. De dividir tantos momentos recheados de emoção com pessoas queridas, com meus abraçadores oficiais que sempre me acompanham nos covers. Com a melhor amiga do mundo, que terá que me acompanhar no próximo tributo a eles. Precisamos disso, passamos por muito. Somos duas pessoas cansadas e devemos a nós mesmas a atitude de alinhar as nossas vozes em uma só, perdida no meio de tantas outras, mas que traz consigo um mundo de sentimentos. Que cumpra-se o “não solta da minha mão”, que haja os abraços demorados e o compartilhamento de lágrimas. Que a nossa sensação de companheirismo, pra dividir e misturar a dor de uma com a emoção da outra, lave nossa alma.


Eles cantam o amor. O amor de um casal que está prestes a morrer, numa Conversa de Botas Batidas. O amor não correspondido, ícone de tantas e tantas letras e o único conhecido por mim. O amor pleno e eterno em Último Romance, que vai ser, com absoluta certeza, a música que vai tocar no meu casamento. (Podem me chamar de brega, eu não ligo. Lasquem-se, é a minha música preferida do mundo inteiro. hahaha) O amor destinado a um alguém desconhecido, a parte mais carente desse sentimento, que se faz demonstrar num pedido de clemência em De Onde Vem a Calma. É de mágica que eles dobram a vida em flor. A flor presente em tantas canções, em tantas vozes. A flor jogada pela platéia que enfeitou a guitarra daquele que usou a flor para metaforizar tantas desilusões, desamores e paixões.



Mas as lembranças ficam. Do gingado do Marcelo em Paquetá, das manias de bêbado, imitações de robô e dos gritos do Amarante em Vencedor, das dancinhas de ambos nos solos de Condicional e Cara Estranho, do gesto do Marcelo de cantar com os braços abertos, da seriedade do Bruno, da concentração do Barba, da maneira séria e quase chorosa com que o Amarante canta Sentimental, dos olhares perdidos do Gabriel Bubu, do público. Do público que canta tudo, de milhares de pessoas tão declaradamente apaixonadas, de braços pra cima, jogando confetes e serpentinas, agindo do mesmo jeito em cada música, como num ritual ensaiado que ninguém verdadeiramente ensaiou. A vontade que dá é a mesma em todo mundo. Um simples “aaaah, ah ah ahhh” no final de Além do Que Se Vê é cantado com tamanha paixão que se assemelha a um poema dos mais rebuscados. É a música que rege, como se os que estão ali tirassem aqueles gritos do mais íntimo de si mesmos. É o grito que sai do coração, grito de mágoa, grito de dor, grito de felicidade, grito de musicalidade. É o pedido da platéia no final do show, entoando um “aah... Los Hermanos vai voltar... Los Hermanos vai voltar... Los Hermanos vai voltar... aaahh...”.






“Além do que se vê” não tem introdução musical. Há apenas a contagem dos compassos antes de surgir a voz de Marcelo Camelo, baixinha: “Moça / olha só o que eu te escrevi / é preciso força pra sonhar e perceber / que a estrada vai além do que se vê”. O barulho do entusiasmo pela entrada da banda no palco ainda não havia se dissipado quando o vocalista caminhou até o microfone e pronunciou a primeira sílaba da música: “Mo...”, sendo engolido por um coral monstruoso de 5 mil jovens que urravam letra por letra com uma vivacidade de torcida uniformizada, antes de explodir em delírio durante o intermezzo instrumental inaudível. Eles explodiram NA PRIMEIRA SÍLABA! (...)
E faz mosh com passinhos de carnaval. E joga serpentina no palco e confete em si mesmo. O processo é obviamente fora do controle da banda – então só restou entregar o manche para o público de vez. E há quatro caras lá no palco, mais olhando do que qualquer outra coisa. Caras magros, frágeis, com uns ternos não muito bem cortados. E o público cuidando deles.
(Trechos da matéria “Boa Noite e Boa Sorte” da revista Bizz, tratando do recesso.)







Diz, quem é maior que o amor? Me abraça forte agora, que é chegada a nossa hora. Vem, vamos além. Vão dizer que a vida é passageira, sem notar que a nossa estrela vai cair.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

tô atrasada no conteúdo e tô aproveitando essa maré de solidão que consegue ser ainda mais intensa do que a maré constante na qual todos os dias da minha efêmera vida já se incluem pra devorar devorar devorar devorar devorar devorar devorar devorar livros de história.

(ok, é um post no mínimo incomum, mas eu me permito escrever uma frase enorme e sem vírgula, dá licença? por hoje, isso me basta.)

mentira, isso pouco me basta. acho que tudo me basta. ou nada. talvez.
que saco. alguém me dá algum livro do Caio, por gentileza?

quarta-feira, 15 de julho de 2009

(re)começo?

Quando você chegar, que seja sem permissão, sem anúncios, sem diálogos, sem entrada principal. Entre pelos fundos, pela chaminé, pule o muro, pela porta lateral, pela janela, sem que eu perceba, apenas entre. Inesperadamente. Assim, surpreendentemente. E que seja pra ficar. Não me traga flores nem bombons, embora eu goste muito, porque seria clichê demais. Traga-me um cartão feito a mão, com algumas mentiras bonitas e bobas pra eu acreditar, mas mentiras que tenham a decência de uma mínima verdade. Conte-me histórias, suas histórias, e me deixe te conhecer. Quando você chegar, amor, eu espero que o amor não seja mais assim tão fácil. Tão rápido e tão hipócrita. Egoísta e exigente. E que você me presenteie a cada dia com certezas, sem receitas prontas, rotina e monotonia. E eu correrei até o fim do mundo para não ver o mundo acabar e ficar mais alguns minutos com você nos seus braços. Então segure forte a minha mão e prometa-me que não vai soltá-la nunca, tá?

Não seja tão previsível quanto todos. Não gosto de alma com leitura fácil, não gosto de praticidade e atitudes esperadas e prováveis. Gosto da descoberta, gosto de bisbilhotar, gosto de me embasbacar. Surpreenda-me, amor. Que a sua chegada faça meu coração pular de alegria. Faça-me perder a respiração ao te ver passar, suar as mãos quando as tuas encontrarem, sentir o vermelho das bochechas chegar, ver a alma se perder pelos caminhos que me levam a você. Faça-me ter paixão. Sentimentos puros. Quero sentir. Preciso dessa sensação. Traga-me o abandono. O abandono das mentiras, da dor, dos desencantos, das lágrimas, do adeus ao “para sempre”. Traga-me a palavra que faltava para a canção do amor próprio que há muito eu compus.

Exija de mim a minha melhor parte, amor. Aquela que ninguém jamais viu. A parte que foi reservada especialmente para sua chegada. Está aqui intocada e pronta para surgir. Comande a minha alegria, o meu sorriso, os meus olhos. Seja meu. Queira a minha leveza e a minha paz de espírito. Receba também os meus defeitos, amor, pois não sou perfeita. Queira o meu lado direito não fotogênico e cheio de manchas. Goste dele. Queira meu sorriso não alinhado, porém encantador. Queira as palavras escritas pelas minhas suaves mãos. Aceite a minha preguiça aos domingos, a minha gula por chocolate, a minha falta de tempo e de humor fixo. Quando você chegar, a lua vai sorrir tão mais bonita. Quando você chegar, o sol já vai ter iluminado nosso dia. E quando isso acontecer, amor, permita-me te amar. Permita-me te abraçar, te envolver e te encantar. Deixe-me ser parte de você.

Quando você encontrar a porta, amor, não bata. Quem sabe ela já se encontre aberta.




P.S.: Não, esse texto não é meu. Tomei a liberdade de postar essas palavras aqui, já que todos hão de convir que são lindíssimas e que combinam absurdamente comigo. Quem escreveu? Drummond? Que nada, a escritora é alguém de quem eu morro de saudades de dividir uma pipoca. Sempre guardo as mais salgadas pra ela, tanto que os pedidos nem são mais necessários, já sei do que ela gosta. Ela me lê com uma facilidade imensa. Talvez com mais facilidade que todos os outros. E eu me vejo em tantos escritos dela que é impossível não pensar que haja alguma força osmótica que compartilhe sensações entre duas amigas que, de tão amigas, se julgam irmãs. :]

terça-feira, 14 de julho de 2009

Sobre a profundidade dos elementos simples.

Tarde ensolarada. De domingo, ainda mais. Aquela preguiça explícita de tudo e de todos, que ironicamente a encorajava a um simples equilíbrio e a uma pedalada. Não, mas o equilíbrio não é tão simples assim. É preciso perder o medo, palavrinha complicada. Tentativas, sim. Quedas, não. O conflito maior não é encontrar a maneira certa de pedalar ou a altura certa de posicionar o pedal. É confiar em si, é saber que aquelas duas rodas são perfeitamente capazes de levar uma pessoa que saiba dominá-las. Contrariando as tão comuns desistências, achou melhor encarar e acabar logo com aquilo. “Mãe, não me solta, não me deixa cair.” Vamos indo, desafiar o domingo, depois de ir à praia quase dormindo, o som da chuva apenas ouvindo. “Mãe, que preguiça, hein. Vamo comigo, ué. Depois dessa volta, eu juro que vou sozinha.”

E foi. Sem precisar se reerguer, já que não caiu. E foi. Saiu. Sozinha, não mais precisando de mãos para guiá-la. Saiu. Vento nos cabelos, sol de domingo fazendo-a brilhar. Curvas, cheiro de fim de tarde, cansaço. Por aquele dia, já era suficiente. Saiu. Daquele pátio cheio de carros, árvores, areias e pedrinhas, se despedia. Até um outro dia, até uma nova tarde de bicicleta roxa com flores brancas. Equilíbrios e vitórias cansam, sabe.

domingo, 12 de julho de 2009

Sobre o ser da consciência.

Eu silencio o teu silêncio
Que tanto clama por atenção
Eu quebro os teus tabus
Acostumados às pessoas usuais
Eu desintegro as tuas frustrações
Transformando-as em poeira de efêmera felicidade
Eu te ponho numa linha de fogo
Entre a eterna infelicidade passiva e a inevitável sensação de sentir-se completo
Eu te desafio e te imponho a mim mesmo.
Eu te castigo e te trago arrependimento.
Eu te afago e te digo para prosseguir.
Eu te condeno por agir diferente e me condeno por pensar diferente.
Eu te trago o alívio e a resignação.
Eu te mantenho seguro enquanto te faço voar.

Eis o que sou: afável, mutável, volátil.
Eis o que pretendo ser: inseparável, interminável, inabalável.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Sobre as conversas modificadoras da existência. Sejam elas estranhas ou não.

Hey, boy. Você deve estar se perguntando o que eu estou fazendo sozinha nesse parque de diversões. É uma pergunta interessante, mas creio que nem eu saiba a resposta exata. Estranho, não? Não, não é estranho. Paguei a entrada pra ficar aqui, sem me preocupar em pegar fila para ir à montanha russa ou outro brinquedo qualquer. Só aqui, parada, chutando pedrinhas. Só me atrevo a comprar algodão doce porque verdadeiramente adoro. Do resto, eu não faço questão.

Eu poderia muito bem ter guardado o dinheiro e dado a um mendigo na rua. Te digo, eu faria isso em 99% das ocasiões. Mas hoje, especialmente nesse fim de tarde, eu me permito o egoísmo. Sabe aquela coisa de o-mundo-que-se-exploda? Pois é, eu ando assim ultimamente. Bem dark, bem intensa, me permitindo um pouco de liberdade. Cansei de ser a mártir. Os mártires morrem e, deles, só sobra a lembrança. Oh, como foram bonzinhos. Eu luto pela causa, mas prefiro não morrer por ela.

Engraçado, você ter me visto no meio desse monte de gente e ter vindo conversar comigo assim. Eu não te conheço e não tenho nada de mais, me camuflo no meio desses rostos felizes e divertidos. Acho que foi o algodão doce, né. Você deve ter pensado algo como “o que aquela mulher tá fazendo sozinha no meio do parque com um algodão doce na mão?” Em 99% das vezes, se você me perguntasse de novo o que perguntou, ouviria um simples “Hã? Eu? Ah, não estou fazendo nada de importante. Não, claro que não estou sozinha. É, tô esperando uma pessoa. Hã? Não, não, não tem nada de errado. Pode ir se divertir. Ok, tchau.” Ah, as mentirinhas que todos contam. Hoje eu não me permito esses artifícios sociais do tipo “Tudo bem? Tudo”. Tô aqui sozinha, contrariando todos os padrões de sociedade, e vim unicamente pra pensar.

Se eu tenho problemas? Querido, todo mundo tem problemas. Os meus não são maiores nem menores que os de ninguém. São apenas problemas, e existem para ser resolvidos. Sabe de uma coisa? Acho que você nunca mais vai encontrar alguém como eu na sua vida. E isso não é um elogio a mim mesma, muito pelo contrário. É que eu evito hipocrisia, sabe? Não canso de ver gente ocultando seus problemas ou suas mágoas só para manter as aparências. Eu já fui assim um dia, mas resolvi parar de agir como todo mundo e hoje me permito vir a um parque de diversões sem o intuito de ir a brinquedo algum. Pode até me chamar de estranha, eu não ligo mais pra esse tipo de rótulo. Antes ser estranha a ser hipócrita. Eu? Meio revoltada? Claro que não, não sou revoltada, muito pelo contrário. Mais uma vez, você se equivoca nos seus julgamentos. Mas eu te entendo, boy, você é muito novinho e ainda tem muito o que aprender. Uma pena que eu não possa te ensinar, já que nos últimos tempos eu percebi que quanto mais a gente aprende, menos a gente sabe.

Eu vejo essa roda gigante, boy, e me vem o mundo inteiro na cabeça. Ali, ó, tá vendo? Já fui em uma dessas e consegui ver a cidade inteira. Aquela visão das ruas entrelaçadas me trouxe um pacote enorme de memórias. Que eu nasci aqui, que foi nessas ruas que eu me apaixonei, desapaixonei, estudei, conquistei, desisti, compus, toquei, fui tocada. E me veio uma sucessão de fatos que só comprovam a capacidade que todo mundo tem de ser um pouquinho idiota, às vezes. A gente se contenta com muito pouco, sabe, boy? Não vou te aconselhar a deixar de ser assim porque eu mesma já deixei e já sofri muitas conseqüências por isso. Até agora não sei se isso foi bom ou ruim. Só aprendi a lidar, só.

Na verdade, acho que todo mundo, ao crescer, tem vontade de voltar a ser criança. Eu até tenho, mas não muita. As pessoas não lembram da solidão que é ser uma criança. Uma das piores sensações que se pode ter, depois do desprezo – esse é o campeão –, é a de não ser levada a sério. Aquilo de você fazer uma descoberta que é muito importante pra você, daí você chega pro seu pai ou pra sua mãe e conta pra eles. Das duas, uma: Ou eles te dão uma resposta absurdamente desestimulante ou te lançam um interesse fingido e rápido, querendo logo voltar aos seus interesses e assuntos de adultos. Não estou refutando o amor deles, claro que não. É que eles apenas não conseguem evitar. Crianças não inspiram muita confiança. Por outro lado, a fuga dos problemas é uma realidade bastante tentadora. Tudo tem dois lados. Às vezes, mais de dois. O que eu acho é que todo mundo deveria parar de bancar a vitrine e prestar mais atenção dentro de si do que ao que os outros vão pensar em olhar pra eles. Primeiro é se contentar, sabe? Mas de verdade, sem fingir. Depois que você se contenta, começa a perceber que tá faltando alguma coisa e tem fôlego pra correr atrás, seja do que for. As conquistas vêm daí. É aquela coisa de parar pra pensar. Olhar pra dentro, ver o que tá errado e saber que você tem que se consertar. Encarar e pronto, sabe? Aí cê vai vendo que as coisas não são tão fáceis quanto parecem, que não é possível fazer joguinhos com sentimentos alheios sem ter algo de ruim sobrando pra ti, que a única coisa que realmente importa é a sua consciência. Quando você começa a perceber isso, vai se resignando. Vai sabendo que não é possível voltar à infância e que esse tempo já passou - embora não tenha morrido completamente dentro de ti -, vai sabendo que existem coisas que são impossíveis, vai sabendo que as pessoas a quem você mais dedicou carinho são as que mais profundamente podem te decepcionar, vai aprendendo a valorizar mais quem realmente merece, vai se acostumando com a idéia de ter que correr atrás dos prejuízos que teus atos causaram. E eu falo isso em todos os aspectos, sabe? Existem, sim, certas coisas que são impossíveis. Mas isso não quer dizer que não valha a pena tentar transcender o que parece impossível. Talvez a gente só pense que algo é impossível. Temos essa dificuldade em reconhecer e decifrar o real teor dos acontecimentos. Muitas vezes a gente cria certas barreiras pra nos proteger e esquece de voar um pouco. Somos muito precipitados ao julgar as situações. Voar é essencial.

Nunca gostei de andar sozinha, boy. Sei lá, a gente tem aquela sensação de que tá todo mundo olhando pra gente. Prefiro ter alguém com quem conversar e fazer parte da platéia que assiste aos que caminham sozinhos pela rua. Ou então encostar em algum lugar e me entregar aos pensamentos, estando certa de que não tem ninguém olhando. Enquanto eu vinha pra cá, estacionei o carro e vim andando pausadamente. Veio um vento muito forte e demorado, levando algumas folhas consigo. Sabe esse meu vestido estampado? Pois é, por alguns instantes eu achei que o vento também fosse levar as flores do meu vestido, fazendo com que elas voassem pra longe de mim, libertando-as da prisão têxtil e deixando-me um vestido com cores e sem flores. Obviamente, isso não aconteceu. Ainda bem. Se tem uma coisa que eu preservo, boy, é a minha sanidade. Quando se começa a abrir os olhos pra vida, dá pra perceber que o mundo é que tá cheio de loucura.

Sério? Você gostou de mim? É, é bom ouvir isso de vez em quando. Ninguém sobrevive sem um pouquinho de atenção, nem que seja de um estranho feito você. Eu? Bonita? Um último conselho, boy. Eu não sou bonita e, mesmo que eu fosse, por favor, não julgue ninguém pelas aparências. Elas enganam muito mais do que a gente imagina. Que bom, que bom. Espero que esse monte de palavras que jorraram de mim feito enchente tenha servido pra alguma coisa. Gostei de você também, sabe? É, sério mesmo, gostei de você. Parece ter me entendido. Mas agora vou ter que ir, boy. Melhor não saber teu nome, melhor que você não saiba o meu. Se você já sabe isso tudo sobre o que eu penso, melhor que continue sendo um humilde desconhecido, pra que eu não precise te tratar com aquela falsidade combinada dos comportamentos sociais. É, eu torço por você também. Que você seja feliz e que sua vida seja doce. Um dia, se o destino quiser, a gente se esbarra por aí de novo. Fique aí, que o sol já está se pondo e eu prefiro não rever esse momento de despedida. Bom pôr-do-sol pra você, boa vida pra você.








P.S.: Peguei o vocativo ‘boy’ emprestado do meu admiradíssimo Caio Fernando Abreu. O texto também foi inspirado em alguns escritos dele, apesar de não chegar nem perto de sua magnitude. Um trechinho de Dama da Noite: "Vai pelo caminho da esquerda, boy, que pelo da direita tem lobo mau e solidão medonha."
Da varanda, ouço música. Uma que nem todos gostam, mas que me toca profundamente. Sim, é em francês. Eu não entendo francês, pelo menos não por enquanto. Quem precisa entender uma letra quando se é tocado por uma melodia? Bom, tenho certa curiosidade em mim e acabei olhando a tradução outro dia. Mais linda ainda. Ahh... Suspiro. Vida, restos de luz, poeira milimetricamente escondida no ar. Aqui mora o silêncio guardião de memórias. Silêncio magnânimo, silêncio de entrelinhas, silêncio de obstinação, silêncio de força. A cantora parece sussurrar nos ouvidos de quem escuta. Meu silêncio sussurra, mas faz isso dentro de mim. Meu silêncio me diz muito sobre quem eu sou e sobre o que eu seria capaz de fazer pelas outras pessoas. E por mim, quem faz? Silêncio. Ele me dá as respostas necessárias. Um dia, quem sabe, eu possa cantar essa música. Sabendo um pouco da pronúncia, eu posso até tentar, sem garantia de sucesso. Vou lembrar daquela tarde em que pensei em silêncio enquanto ouvia melodia. É que ele, por ser ausência, se faz tão presente que apaga qualquer som que venha atrapalhar. Silêncio fala com a gente. Silêncio mente. Mente por não se fazer ouvir, diz a verdade por falar mais do que pretendia.

Uma verdade inventada? Não tenho varanda, mas sempre quis morar em uma casa com uma. A parte do silêncio é feita de desvarios absolutamente verdadeiros.
Marmota.
Cambota, perna torta.
Toda morta, inteligência de uma porta.
Mas a sorte lhe sorriu.
Por alguns dinheiros, comprou um novo rosto.
Nova perna, novo busto.
Comprou também o esquecimento
daqueles que de sua fama tinham conhecimento.
É, a sorte lhe sorriu.
Fez amigos, conquistou corações.
Por alguns dinheiros, comprou emoções.
Mas nada lhe tirava o vazio
de saber que o mérito não fora o seu fio
entrelaçado em si, havia um mortal defeito:
Nada de neurônios. Era superficial.
Dizia a si mesma:
- Sou artificial? Mas eu sei que penso.
Mas tudo o que é penso, é torto.
E tudo o que eu penso é torto.

sábado, 4 de julho de 2009

O Mar. A Mar.

Outra tarde que caía num lapso de cores e o mar encontrava-se agitado. Batia nas pedras como se testasse a sua resistência. Ali, andando por aquele lugar tão freqüentado por ela em outros tempos, já era possível sentir o cheiro da noite. Debruçou-se naquele pedaço de madeira branca que limitava o espaço entre a ponte, o céu e o mar. Ironicamente, estava de costas para o sol, que repetia seu magnífico ritual de despedida. Ela não queria o céu, queria o mar. O ímpeto de jogar um objeto seu naquela imensidão azul tomou conta dela, mas foi contida a tempo. Alguém havia chegado. Sem falar nada, como de costume, pôs-se ao lado dela e compartilhou sua visão. Só havia silêncio. A água parecia ter ficado mais calma, como se tivesse vida e pudesse falar por eles. Os dois permaneciam parados e calados. Ele, com sua presença que se fazia notar ao longe - mesmo em silêncio -, como se sua alma chegasse primeiro e ali permanecesse, apenas esperando que o corpo também chegasse e pudesse agir, tão logo tivesse coragem para tal feito. Ela, com sua paz esfíngica, assemelhando-se àquelas estátuas gigantescas que parecem não se abalar por nada, mas que guardam dentro de si a fragilidade da areia.

O silêncio foi quebrado. Pelos dois, simultaneamente. Nada foi entendido e os risos que denunciavam a insegurança no modo de agir foram despejados naquele mar. Após esse pequeno lapso nos atos tão milimetricamente calculados, a seriedade, mais uma vez, se instalara. Não houvera ensaio e aquele era o momento. Ele, sabendo que tinha praticamente obrigação de falar qualquer coisa, quebrou o silêncio mais uma vez.

- Nunca te vi tão bonita.
- Sempre vi beleza em você.

O silêncio estabeleceu-se novamente, como se voltasse arrependido de ter saído. Ela sempre tinha respostas prontas. A antítese explícita pelas duas palavras o deixara desconfortável.

- Desculpe por não ter percebido antes o quanto você é especial.

Ela não falou nada. Acontecesse o que acontecesse, ela não sentia mais vontade de verbalizar palavra alguma. Sentindo uma necessidade gigantesca de recuperar todos os erros que cometera, ele afastou o silêncio uma última vez.

- E se eu estiver me apaixonando por você?
- Então, estamos quites.