quarta-feira, 8 de julho de 2009

Sobre as conversas modificadoras da existência. Sejam elas estranhas ou não.

Hey, boy. Você deve estar se perguntando o que eu estou fazendo sozinha nesse parque de diversões. É uma pergunta interessante, mas creio que nem eu saiba a resposta exata. Estranho, não? Não, não é estranho. Paguei a entrada pra ficar aqui, sem me preocupar em pegar fila para ir à montanha russa ou outro brinquedo qualquer. Só aqui, parada, chutando pedrinhas. Só me atrevo a comprar algodão doce porque verdadeiramente adoro. Do resto, eu não faço questão.

Eu poderia muito bem ter guardado o dinheiro e dado a um mendigo na rua. Te digo, eu faria isso em 99% das ocasiões. Mas hoje, especialmente nesse fim de tarde, eu me permito o egoísmo. Sabe aquela coisa de o-mundo-que-se-exploda? Pois é, eu ando assim ultimamente. Bem dark, bem intensa, me permitindo um pouco de liberdade. Cansei de ser a mártir. Os mártires morrem e, deles, só sobra a lembrança. Oh, como foram bonzinhos. Eu luto pela causa, mas prefiro não morrer por ela.

Engraçado, você ter me visto no meio desse monte de gente e ter vindo conversar comigo assim. Eu não te conheço e não tenho nada de mais, me camuflo no meio desses rostos felizes e divertidos. Acho que foi o algodão doce, né. Você deve ter pensado algo como “o que aquela mulher tá fazendo sozinha no meio do parque com um algodão doce na mão?” Em 99% das vezes, se você me perguntasse de novo o que perguntou, ouviria um simples “Hã? Eu? Ah, não estou fazendo nada de importante. Não, claro que não estou sozinha. É, tô esperando uma pessoa. Hã? Não, não, não tem nada de errado. Pode ir se divertir. Ok, tchau.” Ah, as mentirinhas que todos contam. Hoje eu não me permito esses artifícios sociais do tipo “Tudo bem? Tudo”. Tô aqui sozinha, contrariando todos os padrões de sociedade, e vim unicamente pra pensar.

Se eu tenho problemas? Querido, todo mundo tem problemas. Os meus não são maiores nem menores que os de ninguém. São apenas problemas, e existem para ser resolvidos. Sabe de uma coisa? Acho que você nunca mais vai encontrar alguém como eu na sua vida. E isso não é um elogio a mim mesma, muito pelo contrário. É que eu evito hipocrisia, sabe? Não canso de ver gente ocultando seus problemas ou suas mágoas só para manter as aparências. Eu já fui assim um dia, mas resolvi parar de agir como todo mundo e hoje me permito vir a um parque de diversões sem o intuito de ir a brinquedo algum. Pode até me chamar de estranha, eu não ligo mais pra esse tipo de rótulo. Antes ser estranha a ser hipócrita. Eu? Meio revoltada? Claro que não, não sou revoltada, muito pelo contrário. Mais uma vez, você se equivoca nos seus julgamentos. Mas eu te entendo, boy, você é muito novinho e ainda tem muito o que aprender. Uma pena que eu não possa te ensinar, já que nos últimos tempos eu percebi que quanto mais a gente aprende, menos a gente sabe.

Eu vejo essa roda gigante, boy, e me vem o mundo inteiro na cabeça. Ali, ó, tá vendo? Já fui em uma dessas e consegui ver a cidade inteira. Aquela visão das ruas entrelaçadas me trouxe um pacote enorme de memórias. Que eu nasci aqui, que foi nessas ruas que eu me apaixonei, desapaixonei, estudei, conquistei, desisti, compus, toquei, fui tocada. E me veio uma sucessão de fatos que só comprovam a capacidade que todo mundo tem de ser um pouquinho idiota, às vezes. A gente se contenta com muito pouco, sabe, boy? Não vou te aconselhar a deixar de ser assim porque eu mesma já deixei e já sofri muitas conseqüências por isso. Até agora não sei se isso foi bom ou ruim. Só aprendi a lidar, só.

Na verdade, acho que todo mundo, ao crescer, tem vontade de voltar a ser criança. Eu até tenho, mas não muita. As pessoas não lembram da solidão que é ser uma criança. Uma das piores sensações que se pode ter, depois do desprezo – esse é o campeão –, é a de não ser levada a sério. Aquilo de você fazer uma descoberta que é muito importante pra você, daí você chega pro seu pai ou pra sua mãe e conta pra eles. Das duas, uma: Ou eles te dão uma resposta absurdamente desestimulante ou te lançam um interesse fingido e rápido, querendo logo voltar aos seus interesses e assuntos de adultos. Não estou refutando o amor deles, claro que não. É que eles apenas não conseguem evitar. Crianças não inspiram muita confiança. Por outro lado, a fuga dos problemas é uma realidade bastante tentadora. Tudo tem dois lados. Às vezes, mais de dois. O que eu acho é que todo mundo deveria parar de bancar a vitrine e prestar mais atenção dentro de si do que ao que os outros vão pensar em olhar pra eles. Primeiro é se contentar, sabe? Mas de verdade, sem fingir. Depois que você se contenta, começa a perceber que tá faltando alguma coisa e tem fôlego pra correr atrás, seja do que for. As conquistas vêm daí. É aquela coisa de parar pra pensar. Olhar pra dentro, ver o que tá errado e saber que você tem que se consertar. Encarar e pronto, sabe? Aí cê vai vendo que as coisas não são tão fáceis quanto parecem, que não é possível fazer joguinhos com sentimentos alheios sem ter algo de ruim sobrando pra ti, que a única coisa que realmente importa é a sua consciência. Quando você começa a perceber isso, vai se resignando. Vai sabendo que não é possível voltar à infância e que esse tempo já passou - embora não tenha morrido completamente dentro de ti -, vai sabendo que existem coisas que são impossíveis, vai sabendo que as pessoas a quem você mais dedicou carinho são as que mais profundamente podem te decepcionar, vai aprendendo a valorizar mais quem realmente merece, vai se acostumando com a idéia de ter que correr atrás dos prejuízos que teus atos causaram. E eu falo isso em todos os aspectos, sabe? Existem, sim, certas coisas que são impossíveis. Mas isso não quer dizer que não valha a pena tentar transcender o que parece impossível. Talvez a gente só pense que algo é impossível. Temos essa dificuldade em reconhecer e decifrar o real teor dos acontecimentos. Muitas vezes a gente cria certas barreiras pra nos proteger e esquece de voar um pouco. Somos muito precipitados ao julgar as situações. Voar é essencial.

Nunca gostei de andar sozinha, boy. Sei lá, a gente tem aquela sensação de que tá todo mundo olhando pra gente. Prefiro ter alguém com quem conversar e fazer parte da platéia que assiste aos que caminham sozinhos pela rua. Ou então encostar em algum lugar e me entregar aos pensamentos, estando certa de que não tem ninguém olhando. Enquanto eu vinha pra cá, estacionei o carro e vim andando pausadamente. Veio um vento muito forte e demorado, levando algumas folhas consigo. Sabe esse meu vestido estampado? Pois é, por alguns instantes eu achei que o vento também fosse levar as flores do meu vestido, fazendo com que elas voassem pra longe de mim, libertando-as da prisão têxtil e deixando-me um vestido com cores e sem flores. Obviamente, isso não aconteceu. Ainda bem. Se tem uma coisa que eu preservo, boy, é a minha sanidade. Quando se começa a abrir os olhos pra vida, dá pra perceber que o mundo é que tá cheio de loucura.

Sério? Você gostou de mim? É, é bom ouvir isso de vez em quando. Ninguém sobrevive sem um pouquinho de atenção, nem que seja de um estranho feito você. Eu? Bonita? Um último conselho, boy. Eu não sou bonita e, mesmo que eu fosse, por favor, não julgue ninguém pelas aparências. Elas enganam muito mais do que a gente imagina. Que bom, que bom. Espero que esse monte de palavras que jorraram de mim feito enchente tenha servido pra alguma coisa. Gostei de você também, sabe? É, sério mesmo, gostei de você. Parece ter me entendido. Mas agora vou ter que ir, boy. Melhor não saber teu nome, melhor que você não saiba o meu. Se você já sabe isso tudo sobre o que eu penso, melhor que continue sendo um humilde desconhecido, pra que eu não precise te tratar com aquela falsidade combinada dos comportamentos sociais. É, eu torço por você também. Que você seja feliz e que sua vida seja doce. Um dia, se o destino quiser, a gente se esbarra por aí de novo. Fique aí, que o sol já está se pondo e eu prefiro não rever esse momento de despedida. Bom pôr-do-sol pra você, boa vida pra você.








P.S.: Peguei o vocativo ‘boy’ emprestado do meu admiradíssimo Caio Fernando Abreu. O texto também foi inspirado em alguns escritos dele, apesar de não chegar nem perto de sua magnitude. Um trechinho de Dama da Noite: "Vai pelo caminho da esquerda, boy, que pelo da direita tem lobo mau e solidão medonha."

2 comentários:

- Tetê - disse...

Engraçado, Boy é o apelido que meu vô usa para chamar o filho mais velho dele e nesse momento meu avô está passando por uma cirurgia de aneurisma de aorta andominal. Gostei muito do texto, Thatá. Digno de Thatá. rs

Anônimo disse...

O engraçado é que eu visualizo esse texto perfeitamente na minha cabeça. xD Às vezes um estranho entende a gente até melhor do que a pessoa que está ao nosso lado no momento. Quem sabe então a pessoa do momento que é a estranha. O problema é que não sabemos de fato quem são os estranhos da vida. E não podemos sequer mudar isso quando queremos porque nem os conhecemos na verdade.