quinta-feira, 30 de julho de 2009

Sobre a leitura que não envolve palavras.

Eu sou uma leitora. No sentido mais abrangente da palavra. Aliás, não é só ela – a palavra – que leio. Leio também sensações, algumas verdades escondidas, boas intenções encobertas pela falta de atitude, leviandade oculta em palavras que parecem ser bonitas. Costumo tentar ler o invisível, já que “quem só acredita no visível tem um mundo muito pequeno”. Nem sempre logro êxito e a conseqüência dessas leituras é uma confusão quase constante de sentimentos. E uma dor de cabeça ocasionada não pela leitura em si, mas pelo cansaço. Quando se pensa demais e se está cansada demais, dormir faz-se necessário. Quando não há essa possibilidade, a dor de cabeça vem. Quando há essa possibilidade, a dor de cabeça vem do mesmo jeito. Punição pelos pensamentos? Talvez.

Depois do son(h)o, a dor. Às vezes de cabeça, às vezes de coração. Durmo como uma válvula de escape. Já sonhei com tantas pessoas, com tantas situações, com tantos diálogos. Até com abraços já sonhei. E já pesadelei também, mas desses eu não gosto nem de falar. Sobre as pessoas com que sonho, algumas vêm de anos longínguos e outras de um passado recente (Mas que ainda assim é passado e precisa ser passado. Passado a limpo, passado superado, um pretérito que sequer chegou perto de ser perfeito). Essas pessoas, distantes ou próximas, não sabem que sonho com elas. Melhor não saber, não gosto de explicitar minhas leituras para os objetivos das mesmas. Há mágoa de uns, uma vontade enorme de que tudo dê certo para outros, indiferença para alguns mais, reciprocidade de tudo o que vier de outros ainda. Tudo isso o tempo cura, modifica ou acentua. Vai depender das situações, das leituras e das “páginas” que me forem permitidas ler. Acho que tenho bons olhos, sabe. A questão não é se ensoberbecer, mas fazer um levantamento de mim mesma diante de várias situações similares, opostas, dolorosas ou alegres. Apesar de tudo, acho que meus olhos sabem ser sábios quando precisam e quando devem ser.

Adoro ler desconhecidos. É um passatempo que só ocorre quando encontro alguém que valha a pena tentar ler. Estando acompanhada por amigos ou família em lugares públicos, executo meus processos sem me fazer notar por ninguém além de mim mesma. Curiosamente, as pessoas que valem a pena parecem, de algum modo, escolher ficar perto de onde eu estou. Isso sempre acontece e eu nunca entendi exatamente o porquê. Eu também escolho ficar perto delas. Talvez por ser tão difícil encontrar alguém diferente em meio a tanta futilidade e a tanto lixo. É um apego mútuo a cada momento, sabendo que cada sensação decodificada pode ser a última.

Gosto especialmente dos solitários. Recentemente, vi uma pessoa assim, decifrável, no shopping. Sem roupa de grife, o máximo de barba que sua relativamente pouca idade permitia, um livro, óculos. Por trás dos últimos, olhos castanhos faiscantes. Quem precisa de olhos claros quando se tem um brilho daqueles? Estava na praça de alimentação, sentado numa mesa, concentrado em algo que eu não pude assimilar o que era. Olhar perdido. Exatamente como eu adivinho ser o meu, quando meus olhos teimam em visualizar o que está dentro de mim. Foi ao cinema sozinho. Sei disso porque coincidentemente também fui e escolhemos o mesmo filme. Na ocasião, estava acompanhada pelo meu pai, meu cavaleiro solitário mais nobre. Lembrei de tantos filmes que vi sozinha no cinema. Alguns bons, outros nem tanto. O engraçado é que as outras pessoas costumam pensar que é péssimo estar sozinha numa sala de cinema. Não é tão ruim assim, acreditem. Dependendo do filme, é super agradável. Mas não esqueça de só entrar na sala em um horário bem próximo do início da sessão ou, se preferir, leve um fone de ouvido.

Com ou sem focos de leitura, eu sempre prossigo. Nunca soube qual é meu objetivo; na verdade, creio que este seja inexistente. A causa é, talvez, encontrar nos outros algum tipo de característica semelhante ao que as circunstâncias e a consciência me permitiram ter ao longo dos tombos que levei. Eu tento achar algum tipo de felicidade plena em mim mesma, sabe. Tento de verdade. Não encontrando em mim, busco-a em outros alguéns, ilustres desconhecidos que eu, provavelmente, só verei uma vez na vida. Quando tento ser feliz por mim mesma, levando em consideração apenas o que verdadeiramente tenho, vejo-me numa encruzilhada com inúmeros caminhos, tendo a certeza de que nenhum deles leva a lugar algum.

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