sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Relógio.


Acordei. Suor pingando na testa, marcas de lençol nas mãos. Argh, odeio essas marcas de lençol, na certa devem estar no rosto também. Pomada contra acne, sobrancelha recém-tirada como um adorno quase perfeito aos olhos grandes e profundos e duros, brilhando na escuridão de uma madrugada sem hora. E agora, faço o quê? Acabar com o calor, acabar com a insônia, acabar com a noite, acabar com essa teia fria e insípida que tem tomado conta dos meus dias, transformando-me em qualquer coisa que eu não era antes e seqüestrando-me do domínio de mim. Ah que ironia, logo eu, tão senhora dos meus atos. Logo eu, tão politicamente-correta-exemplo-pra-todo-mundo-tá-vendo-tá-vendo-como-ela-é-demais. Uma teoria: As pessoas me põem num pedestal pra não precisarem se aproximar de mim, pra não ser preciso o toque, o contato. Fato? Talvez. Pode até ser aplicado em alguns casos. Rasgo a noite com um riso. Um riso irônico, claro. Tudo muito largo, as ondas espalham-se pelo quarto e grudam-se no lilás das paredes escondidas pela negra ausência de luz. Belo quadro, não? A senhora dos próprios atos trancafiada no sem hora da noite. Daria um bom título, pra livro, talvez. Vou guardá-lo pra história que não escreverei. Mãos atadas, preciso comprar baterias pra minha lanterninha, sabe como é, preciso ler nessas horas. Não posso acender a luz, não posso incomodar ninguém, não posso, não. Não. Palavrinha dura, essa. Mas eu até gosto dela, como gosto de qualquer coisa que seja diferente de um silêncio, por mais difícil que seja. Será que eu deveria mesmo ter dito tantos nãos? Penso neles e nos nãos que desfizeram muitos planos. Nunca vou saber, que se há de fazer. Só sei que um banho cairia bem. Toalha, sabonete com cheiro de morango (mofado?), saio no escuro, tem gente que acredita que um banho de sais, por exemplo, leva os males embora. Não tenho sais, será que só a água serve? Se não servir, paciência. De qualquer maneira, tudo tanto faz. A noite quente cede às minhas estratégias de ataque. O calor já foi embora, mas ainda não tive coragem de olhar as horas. O tempo ainda me aflige. Um ano, vai fazer um ano. Já fez, fará. Um ano, dez, cem. Sem.

Com essa mínima palavrinha voando à minha volta, durmo quase imediatamente.

3 comentários:

- Tetê - disse...

Essas palavras faziam falta. Mesmo que não tão sonhadoras, mas realistas e sempre intensas. Adoro.

Thamires disse...

Foi-se o tempo que eu me dava ao luxo de sonhar demais, querida. Senti sua falta por aqui. *-*

Hilário Ferreira disse...

Um não seguido de outro não quer dizer sim. "Não, não posso" equivale dizer "Sim, eu posso". Como se um não anulasse o outro.Dizia isso um professor meu de psicanálise e depois um outro professor de raciocínio lógico matemático.
Eu acreditei, eu.