quinta-feira, 21 de maio de 2009

Dá-me o direito de dizer coisas sem sentido, de não ter que ser perfeito. (...) Virar os dados do destino, de me contradizer, de não ter meta.


Uma noite como outra qualquer. Aparentemente. Depois de uma manhã cansativa e de uma tarde costumeiramente cheia de fórmulas e termos descartáveis, eu ia de encontro ao meu descanso, como sempre. Foi então que, antes de sair, vi a lista com a classificação referente ao último simulado realizado no local onde eu estudo. Comecei a procurar meu nome pelo final da lista, tendo em vista que a classificação era geral e eu não me saio muito bem nas partes exatas das provas de primeira fase. Passados alguns instantes, um amigo diz que viu meu nome. Lá em cima. 7° lugar geral. Fiquei surpresa e feliz, obviamente, mas aquilo não me trouxe tanto contentamento quanto eu, um dia, imaginei que traria. Saí dali com os pensamentos em torno da palavra “injustiça”. Honestamente, eu creio que muita gente merecia mais do que eu aquele 7° lugar. Não estou me desmerecendo, pelo contrário. Se o meu nome estava lá, houve um motivo. Mas não creio que esse motivo seja suficiente, uma vez que eu passo a maior parte do meu tempo pensando nos últimos acontecimentos, reclamando da física, liberando meus sentimentos através da música ou lembrando as pessoas que me são importantes. E o curioso é que, mesmo eu não sendo um exemplo de vigor estudantil, meu nome estava lá. Como se fosse um sinal de algo que eu não conseguia interpretar até aquele momento.

Comecei a pensar em como eu tenho sorte e em como os elementos que hoje regem minha vida entraram no meu caminho. E se eu tivesse escolhido sentar em outra cadeira naquele primeiro dia de aula da 7ª série? Lidiane, com sua bolsa de couro a tiracolo e sua caligrafia imutável, nunca teria me perguntado “que horas são?”. Mas eu escolhi a cadeira certa e era ela quem estava comigo no último sábado, à meia-noite, sentada num sofá olhando a escuridão da sala, dizendo que eu mereço que tudo dê certo, que queria muito poder fazer algo pra me ajudar e que torce por mim. Era ela quem me abraçava enquanto eu chorava por temer o resultado da decisão que eu tomara ultimamente. Era ela quem me conhecia, talvez até mais do que a própria noite. Com ela e com mais algumas amigas, eu divido um amor de irmã que é raríssimo, nesse mundo hipócrita em que a gente vive. Na minha caminhada até a parada de ônibus, todos esses fatos circundavam minha mente, como se fossem imagens holográficas. A chuva caía leve e meus pés escorregavam na própria sandália. Precisei andar rápido, uma vez que o ônibus já havia chegado. Tive sorte por não escorregar e tive sorte pelo fato de o motorista ter esperado. Ao entrar, tive sorte mais uma vez, já que a pessoa que estava sentada na cadeira ao lado levantou-se. Pude sentar.


Janela. Chuva tornando-se intensa. Cheiro de terra molhada. Tudo contribuía para que eu pensasse. Liguei o mp3 e entreguei-me a uma das únicas coisas que permitem que eu me revele: a música. Pensava que, daqui a alguns dias, estarei indo ao encontro daquele ambiente cuja trilha sonora me marca profundamente. Talvez eu não tenha as minhas abraçadoras oficiais por perto, mas... Sim, irei feliz. Mesmo sabendo que vou acabar tendo que abraçar a mim mesma enquanto tento esconder o choro para que não me achem louca. É paradoxal pensar que eu preciso das músicas que revelam o que eu tanto luto para esconder. Mas quem disse que a vida é simples? Eu sei que não é. Tenho sorte por saber disso.

Pensei bastante em Deus, ao longo do dia. Talvez por estar lendo um livro que traz consigo uma concepção bem distante das instituições religiosas, o que me alivia. Posso até estar errada, mas sempre tive certeza de que Deus é a Natureza. Por isso, Ele se faz sempre presente. Ali, naquela cadeira de ônibus, eu O sentia perto de mim. Não fechei a janela em momento algum, precisava daquele contato com as gotículas e com aquele cheiro tão agradável. Era como se Ele estivesse sempre perto de mim e fosse responsável por colocar tantas pessoas especiais na minha vida, que sempre surgem através de coincidências e acontecimentos banais.

Tenho sorte, muita sorte, por ter essas pessoas ao meu lado. Tenho sorte também, por ter aprendido a ser quase auto-suficiente em alguns aspectos. Estou super bem com o fato de saber que, mais uma vez, o presente que chegará a mim no dia 12 de junho foi comprado por mim mesma. E daí? Deixando meu aspecto ligeiramente humilde de lado só pra descontrair... Sim, eu casaria comigo mesma, sem pestanejar, se pudesse! Hahaha! (Só pra constar, o presente deste ano vai ser bem bonitinho. ^^)

Lembrei da minha mãe. Não dela, especificamente. Do seu cheiro ou dos seus olhos verdes e cílios de boneca. Não, lembrei de uma cena que nós vivemos. As lembranças são poucas, porém, nítidas.
Carro. Eu, no banco de trás, olhando pela janela (como sempre). Minha mente estava focada na minha tia, que falecera na noite anterior e que era minha vizinha. Um AVC raríssimo e fatal. Mas não era isso o que preenchia minha mente completamente, e sim o fato de eu tê-la visto, de longe, caída naquele chão alaranjado, pouco depois de terem descoberto que ela partira. Foi uma fração de segundos, mas os seus cabelos loiros e sua blusa verde não saíam da minha cabeça naquela ocasião. Nunca tinha visto um ser humano sem vida antes, e esse acontecimento só fez dois anos. Não é um passado tão distante assim. O fato é que estávamos nesse carro, indo para um lugar que eu não lembro, com outra pessoa que eu não lembro. Quem interessa nessa cena somos eu e minha mãe. Mesmo com toda aquela dor, ela sabia que não era só por aquilo que eu chorava. Como se lesse minha mente, ela perguntou: “Tá com saudade da mãe?”. A única coisa que minha voz adolescente conseguiu pronunciar em meio às lágrimas foi “Tô”. Foi, provavelmente, o “tô” mais intenso de toda a minha vida. Ela respondeu: “Tenho saudades de você todos os dias”. Silêncio. Depois dali, não lembro de mais nada daqueles dias que se seguiram. A não ser de ter assistido a O Fabuloso Destino de Amélie Poulain e ter conseguido sorrir por dentro pela primeira vez depois de tanto tempo. Não há como não chorar ao lembrar disso. Ali mesmo, naquela cadeira desconfortável de um transporte coletivo, uma lágrima teimosa quis descer, mas hesitou. Parecia uma daquelas gotas que se encontravam presas à janela. Parou ali, no canto do olho, como se não quisesse me largar e preferisse me poupar do constrangimento de rasgar minha face em pleno ônibus.

Hoje, eu posso dizer que minha mãe já me apresentou a uma pessoa usando estas palavras: “Aqui está a minha filha. Ela tem um caráter de dar inveja a qualquer ser humano”. Eu tenho sorte por poder ouvir essas frases. Tenho sorte por ter uma mãe que faria absolutamente tudo por mim e faz questão de deixar isso bem claro pra quem quer que seja. Tenho sorte por ter um pai que confia plenamente em mim, a ponto de me pedir conselhos sobre negócios ou vir conversar comigo porque se sentiu mal na noite anterior e teve vontade de chorar. Tenho sorte por poder ajudá-lo e por fazer com que as minhas palavras de “Pai, não se preocupe e viva um dia de cada vez. Eu tô aqui e o senhor sabe disso” surtam efeito e façam com que a tristeza vá embora. Tenho sorte por finalmente perceber que eu devo, sim, ir atrás dos meus sonhos. Mesmo que eles pareçam inatingíveis ou que eu precise pagar um preço muito alto por me atrever a buscar minha felicidade. Deus, em forma de chuva, fez-me perceber que Ele está presente em tudo e que qualquer sentimento bom que eu tenha deve ser demonstrado, não importando as conseqüências que isso possa acarretar. Sei que Ele não julga mal sentimento nenhum que seja sincero e bonito.

Estava chegando perto de casa. Desliguei o mp3 e a máquina de pensamentos existenciais. Peguei o guarda-chuva dentro da bolsa e desci. Quando pensei em abri-lo para me proteger das gotas, desisti. A chuva, com seu cheiro magnífico e sua presença quase divina, foi quem deu margem a tantos pensamentos. Ela estava ali comigo e eu precisava deixar que me tocasse. Se era Deus, eu não tenho certeza. Mas eu senti que era. Assim como existem lágrimas de tristeza e de felicidade, a chuva trazia consigo uma mensagem que poderia ser decifrada ou não. Na esquina da minha casa, estava acontecendo um culto numa igreja evangélica. Eles estavam lá, cercados por paredes que os protegiam da chuva, clamando por Deus. Mal sabiam eles que as respostas que tanto procuravam poderiam estar ao alcance das mãos. Bastava livrar-se da cegueira e enxergar. Mas, nem por isso, creio que eles vão deixar de ter suas almas lavadas. Esse Ser Superior que nos rege está dentro de cada um de nós, tornando-nos fortes e propiciando-nos momentos tão simples e incríveis.

Ali, naquela rua tão familiar, eu me sentia perto desse Ser, seja ele qual for. Uma pequena peça da engrenagem do mundo, aparentemente tão insignificante. Cansada, sem me importar com a aparência ou com o fato de que minha apostila estava mais úmida do que deveria. Mas ah, eu não queria me ver assim. Por algum motivo, naquele momento, eu não enxergava em mim apenas uma moça baixinha e bochechuda que precisa perder uns quilinhos. Eu estava feliz, bem, resolvida. E nada nem ninguém poderia me arrancar desse estado de espírito.



5 comentários:

Anônimo disse...

Eu agradeceria muito se a senhorita parasse de querer me fazer chorar com esses teus textos. xD
Como você mesma sempre me diz: porque eu me enxergo tanto no que você escreve? Sim, nós somos gêmeas, de fato. Eu sempre sinto alguma sensação boa quando tenho contato com a natureza. Seja chuva, sol, flores ou plantas, não importa. E como eu costumo dizer e sentir, tudo isso vira minha fonte de energia junto com meus amigos, minha família e Deus. Não há ninguém melhor nesse mundo que possa te trazer um sorriso no rosto ou um abraço acolhedor como eles. E essa tua valorização com o tio e a tia, seu papis e sua momy, é linda. Tem tanta gente nesse mundo que tem família e não dá o valor que ela merece ter, enquanto tantos órfãos estão derramando lágrimas por terem perdido o que era de mais precioso pra eles ou até mesmo aquelas pessoas que sequer os conheceram sentem saudade. Acho que nem preciso citar exemplos.
Você, Thamires, é uma das poucas pessoas de valor nesse mundo. Exagero que nada, é a simples verdade. Você tem a alma boa e sincera sobretudo. Coisa que muita gente precisa. Você merece toda a felicidade do mundo. E como eu te disse e vou continuar dizendo até ficarmos velhinhas e caquéticas, eu sempre vou te proteger de todo mal que vier te amedrontar e abrirei novos caminhos para você na escuridão, seja ela a mais escura que for.
Quisera eu voltar ao passado e viver os bons anos da sétima série outra vez, mas infelizmente não posso. O tempo correu rápido demais e do passado, memória boas são tudo que resta. Do futuro, espero apenas que você esteja sempre ao meu lado.
Que esses momentos epifânicos ou simplesmente ocorridos te transformem numa pessoa melhor do que já é a cada dia novo.
Amo bucho você, minha flor.

Mariana Brizeno disse...

1. Seus pais tem sorte de ter vc como filha.
2. Vc será uma talentosa jornalista, nem tenho dúvidas disso, portanto NUNCA desista de lutar por esse sonho.
3. A chuva era Deus sim, CERTEZA ABSOLUTA.

Linda sua sensibilidade, prima. Vc me lembra eu mesma um dia.

- Tetê - disse...

Posso deixar pra comentar dps que essa sensação indescritivel que eu tenho agora passar?

Anônimo disse...

Não vou dizer o quanto essa ae escreve bem... seria pleonasmo.
Não vou dizer que ela merece toda a felicidade do mundo sempre, ou por um milhão de anos...seria hipérbole. Não vou dizer que ela vai ser a Lilian num sei o que do jornal do Globo...seria metonímia. Não vou dizer que ela vai ser um estouro no jornalismo...seria metáfora. Mas posso dizer que ela vai conseguir tudo que a puder fazer feliz pq sim, ela merece. E como merece. E isso é verdade. Escreve bem demais da conta, sô! XD
A proposito...esse tava grandinho, hein. A propósito [2] , é o Juss.

Unknown disse...

Eu fico tão feliz com a influencia que A Cabana causa nas pessoas! Foi exatamente assim que eu me senti! Fora tudo isso e o fato de a agente parara pra ver como a gente tem sorte na vida. Chega uma hora que a gente precisa tomar vergonha na cara e parar de reclamar. Não é magnifica a presença Dele? Eu adoro! Eu espero que você se sinta assim sempre! Eu e todas as suas outras amigas sempre estaremos aí pra quando vc precisar. Mas Ele, ele está aí nem que você não queira. Liindo texto, tinha tudo pra me fazer chorar! Mas é como vc disse sobre a lágrima que insiste em ficar no canto do olho, incomodando ou não. E ela evaporou conforme eu ia lendo o texto. E um sorriso de satisfação nasceu. Satisfação por poder dividir da presença do Papai com as pessoas que eu amo. Nada paga essa sensação que eu mal consigo descrever. Fico feliz por ti *O* E nunca se esqueça Dele! Ele tá só esperando vc chamar