segunda-feira, 28 de junho de 2010

Das posses.

Uma pequena observação prévia:

O texto a seguir poderia perfeitamente ser acompanhado por alguma música pertencente à trilha sonora de Amélie. Não me perguntem o porquê. Eu apenas sei.



Tenho prateleiras lotadas de livros. Alguns deles, velhos, cheios de assinaturas de antigos donos, são portadores de inúmeras histórias guardadas secretamente pelo amarelo das páginas. Tenho minha música, a que teimo em fazer e a que é feita por outras pessoas, aquela que “vem de fora” e que muitas vezes acaba dizendo mais de mim do que eu mesma conseguiria dizer, aquela que me enternece todas as vezes em que paro para ouvir, aquelas que são responsáveis pelos meus sábados insones e melancólicos, aquelas que me trazem um sorriso de canto de boca por me proporcionarem a lembrança de gente querida. Tenho meu olhar perdido enquanto volto para casa de ônibus, em uma noite qualquer da semana, vendo a cidade passar pela janela e observando a luz fraquejar num apaga-não-apaga regido misteriosamente pelo ritmo das execuções do meu mp4. Tenho uma escaleta azul céu que preenche os espaços silenciosos do meu quarto ao entardecer. Tenho um violão velho, negro, gasto, que ganhei aos 15 anos e do qual nunca mais me separei. Tenho uma caixa recheada de cartas antigas, amassadas, coloridas, incompletas. Nela refletem-se vários anos, inúmeras pessoas, incríveis situações. Alguns cd’s com dedicatórias, autógrafos que denunciam uma tietagem adolescente, pequenos objetos que vieram de longe no tempo e no espaço - um prendedor de cabelo em forma de flor que um amigo-irmão me enviou de algum lugar há quilômetros daqui, um pequeno dado vermelho que me acompanhava nos jogos de infância -, um envelope vazio que deveria guardar papéis que nunca foram recebidos, rascunhos de bilhetes enviados, horários de aulas que trazem à tona uma rotina que já não existe mais...

Dos objetos, que podem ou servir unicamente por sua funcionalidade ou ser motivo de inspiração para os meus trabalhos acadêmicos, vai-se tirando o fôlego para suportar os dias. Refúgio do presente ou fuga ao passado, eles têm voz. E falam incessantemente, mesmo sem usar de palavras. A comunicação transcende o meramente informal e atua em campos que não se pode traduzir em números ou em medidas.

De ideias, cuja característica principal é a imaterialidade, há uma coleção imensa. Tenho uma lista infinita de arrependimentos, de mágoas sanadas, de feridas cicatrizadas, de anseios irreveláveis, de planos concretizáveis. Digo na primeira pessoa do singular por pura manifestação egoísta do eu-lírico, mas levo comigo a certeza de que todos somos portadores dessas sentimentalidades relacionadas aos objetos (ou refletidas por eles), às ideias, ao que está aqui dentro. É o que nos faz humanos, passíveis de erros e navegantes de um cotidiano que encontra sua única graciosidade nos elementos simples. Elementos que nos completam, que nos decepcionam, que nos fazem fortes, e que, apesar de todos os apesares, são o único vínculo que nos permite deixar marcas neste mundo.

Um comentário:

Camila disse...

É incrível o quanto somos formados pelas pequenas coisinhas que vamos colecionando. Abrir uma velha caixinha de recordações é sempre uma aventura de deparar o que somos, o que fomos e, quem sabe, o que seremos daqui a pouco - e ainda nem sabemos.